
Por Patricia Carta
Julia Gastin, 34 anos, adora experiências. Para ela, tudo só ganha sentido por meio de vivência. É por esse viés que resgata as origens brasileiras e valoriza o artesanal, presentes em sua joalheria e na sua vida de modo geral.
A começar pelo showroom, separado por um jardim da casa antiga e tombada onde mora, na rua mais artsy do Horto, bairro cool do Rio de Janeiro. O endereço reúne, além de ateliês de peso e lojas divertidas, uma casa de família à moda antiga e ainda um cortiço. A rua, descoberta há 20 anos por artistas, ceramistas e pessoas da moda, bomba mesmo há dez.

O projeto arquitetônico e de light design da casa-ateliê e de alguns móveis feitos com madeira de demolição, inspirados nos de Lina Bo Bardi, ficaram a cargo da dupla Alice e Raphael Tapedino, primos.
A ideia de Julia foi criar uma experiência desde a entrada. A sala tem acabamentos de palha, uma das paredes é de barro e reproduz visualmente as de pau-a-pique. O showroom é todo revestido por esteiras de buriti feitas à mão.

Esses elementos convivem com um néon de Kleber Matheus, uma tapeçaria de Genaro de Carvalho, cortinas de bolas de madeira, móveis autorais de modernistas brasileiros, como Sergio Rodrigues, obras de Jonathas de Andrade e Akira Cravo, balangandãs, ex-votos e várias outras peças de antiquário ou artesanais garimpadas em incontáveis viagens.
Julia se formou em moda no Rio, fez cursos de arte em Milão e de francês em Paris. Se lançou há cinco anos na joalheria com anéis, brincos e pulseiras de búzios acabados em metal banhado a ouro para se parecerem com as joias do século 18. “A ideia era popularizar a joia brasileira e torná-la mais acessível.”

Não foi difícil, os búzios viraram febre e Julia segue o garimpo e a pesquisa das nossas origens. Seu trabalho slow fashion não é sazonal e não entra em promoção. No ano passado fez uma collab com a Granado. Os três kits com elementos naturais que criou também estão à venda em Paris e Lisboa.

Agora, os búzios voltam à tona nas espadrilhas de lona com solado de palha e biqueira de crochê, da Mr. Cat, nova collab de Julia, que vai dar o que falar. Outra novidade da marca é a embalagem feita de folha de bananeira. “Todo o processo é legal, desde a mudança de cor, até a possibilidade de enterrá-la por ser 100% biodegradável”, conta.
No verão, suas joias estarão à venda na pop-up Ouriço, primeira loja da Praia do Espelho, no litoral sul da Bahia.

Julia gosta de viajar quatro vezes ao ano, sozinha ou com amigos. Começou se aventurando pela Ásia e África, ainda no tempo da faculdade. Mas sua preferência é mesmo o Brasil, sempre atrás do artesanato, das nossas raízes e crenças. Já foi ao Piauí, na Barrinha, atravessou os Lençóis Maranhenses, dormindo em redes, nas casas dos locais. Participou das festas de Santo Amaro na casa de Maria Bethânia, e de outros rituais, como o Dia de Iemanjá, em Salvador.
Julia foi figurinista do “Esquenta” por seis anos. “O programa apresentou o Brasil para o Brasil”, define. Suponho que tenha sido uma espécie de ritual de passagem para a designer, já que atribui a ele a virada que deu. “Ganhei a partir daí uma visão mais crítica e antropológica nas pesquisas de comportamento, na busca do trabalho manual e no olhar para o passado e para os nossos 500 anos de história.”

Suas coleções sempre giram em torno de um personagem, de um protagonista brasileiro. Na próxima, Caribé ganha nova roupagem. Fará uma grande coleção de correntes com uma pegada urbana e rústica. Banhada de ouro amarelo, branco ou com os dois banhos misturados, e elos de diferentes tamanhos. Argolas pesadas, correntes que se misturam a conchas e pérolas.

“As correntes têm origem em guetos, nas periferias, no hip hop e chegaram ao mainstream. São o símbolo do empoderamento. Feitas pro boyzão da moto”, diz Julia, que não é ruim da cabeça e nem doente do pé. Assídua no Carnaval de rua do Rio e integrante do bloco Carnageralda, esbanja a farta cabeleira, exibe estilo exótico em nova versão cravo e canela e espalha muito axé por aí.