Foto: Mia Harvey/Unsplash

Por Caroline Campos

Nada mais normal do que a mudança de nuances na forma como estreitamos os nossos laços conforme a sociedade também muda. Mas a GenZ parece bem menos ansiosa em estreitá-los: pelo contrário, parece haver certo anseio em deixar as coisas assim, meio frouxas. Você pode desfrutar de jantares íntimos, explorar os gostos em comum, compartilhar detalhes da vida pessoal, mas não pode contar com a presença para o almoço de domingo em família ou com satisfações sobre o porquê não respondeu à mensagem no último sábado à noite. É o tipo de coisa que você pode aproveitar quando está lá e esquecer quando não está: a chamada situationship.

Quase como uma nova roupagem para o antigo “ficar” ou para a amizade colorida, o termo que já circula há algum tempo parece cada vez mais estabelecido, principalmente entre a geração Z. Ele foi adotado justamente para descrever a situação peculiar em que duas pessoas se envolvem emocionalmente, porém sem um compromisso claro ou definição de um relacionamento estável.

“A nomenclatura marca um distanciamento natural entre as gerações, que com certeza vem com uma nova nuance. Os limites das classificações vêm muito mais fluidos agora, como tudo nessa geração que é muito menos apegada a rótulos”, explica o psiquiatra e especialista em sexualidade Jairo Bouer.

Essa forma de assumir um compromisso (ou seria a falta dele?) gera reflexões sobre os limites e as expectativas nos vínculos afetivos na contemporaneidade. Estamos cada vez mais presos, ironicamente, em uma busca por liberdade, e as relações amorosas, que antes eram baseadas na solidez e durabilidade, agora estão sujeitas a uma liquidez constante. É a era do amor líquido, como previu o sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

A pergunta “o que somos?” para definir o estágio do relacionamento parece nos afligir cada vez mais, e, desde que haja a compreensão do porquê disso, está tudo bem, também. Algumas pessoas optam por se envolver em situationships para evitar a pressão e as responsabilidades inerentes aos relacionamentos convencionais.

Outras vezes, é a falta de tempo para se dedicar por completo a um relacionamento e toda a sua manutenção, que faz com que se estacionar numa zona mista, em que ambas as partes vivem momentos de um relacionamento sem o peso do status quo, pareça ser a solução.

E também, é claro, a falta de comunicação clara e o medo da rejeição podem também levar ao desejo de uma situação indefinida, na qual, talvez, ambas as partes estão em um momento em que hesitam definir suas intenções e objetivos a longo prazo. Há ainda a soma de falta de tato com decepções. “A intolerância à frustração é uma marca muito forte dos nossos tempos, junto com a dificuldade de se vincular em todos os níveis, somada ainda a um jeito de comunicação de maneira mais horizontal, o que gera uma tensão flutuante. Essa é uma geração inquieta, e suas dificuldades refletem na área afetiva”, comenta Bouer à Bazaar.

No entanto, mesmo com todas as “facilidades” de um relacionamento com suas bases extremamente fluidas, as situationships não estão isentas de desafios e conflitos. Justamente por ter um caminho dúbio, esse tipo de união livre, leve e solta, pode levar, da mesma maneira, a expectativas não correspondidas e frustrações, apesar da fuga da cobrança.

A tentativa de só deixar o que é fácil passar nessa peneira, nem sempre se revela tão simples assim. Porque o ser humano é, por natureza, complexo, e suas relações, mais ainda, mesmo quando tentamos nos desgarrar de todos esses fios condutores da emoção com um amor à la carte.

Enquanto alguns podem se sentir atraídos pela liberdade, outros, durante esse tipo de relacionamento, podem experimentar o oposto, trazendo à tona a ansiedade devido à falta de certezas, o que é natural: as relações são como um laço, e muito raramente estarão na exata proporção de ambos os lados, o que faz o diálogo aberto e honesto ser ainda mais essencial para compreender e respeitar essas diferenças. E checar se, mesmo onde o descompromisso é a base, ambos estão na mesma página para evitar danos no percurso.

O autoconhecimento segue como chave para o equilíbrio entre a liberdade individual e a responsabilidade afetiva, que permanecem ingredientes essenciais para encontrar felicidade e satisfação nos vínculos afetivos, seja no casamento, no namoro, no rolo ou na era das situationships.