“Quero falar sobre beijar na boca, sou safada, humana… Às vezes, minha essência e meu trabalho me colocam neste lugar intocável. A deusa, a musa. E não, só quero sair e tomar uma cerveja com as minhas amigas” – Liniker – Foto: Divulgação

Desde 2016, foram muitas as vezes que esbarrei com Liniker nos palcos, festivais, eventos ou nas rodas de rostos conhecidos. Tudo o que sabia dela vinha de outras fontes, como o fato de ser de Araraquara [interior paulista], fazer parte de uma família de músicos, e que começou com Os Caramelows. De lá para cá, estourou no YouTube e Facebook, em uma época pré-viralização com dancinhas ou métricas de streaming.

Finalmente, os astros se alinharam para o encontro que deu origem a esta entrevista. Em seu segundo álbum solo, Caju, a cantora fez as pazes com seu lado mais solar e vibrante. Depois de conquistar um Grammy Latino e se tornar a primeira brasileira trans a receber o gramofone dourado, com Indigo Borboleta Anil (2021), ela volta à cena com um álbum de inúmeras participações. O trabalho com 14 faixas, gravado de forma analógica, ainda a coloca em um lugar de afeto, amando a si e mais potente do que nunca.

“É a minha versão mais alegre entre os álbuns que fiz. Tem uma segurança, sabe? É gostoso quando você consegue chegar em um ponto da sua vida em que não tem de provar nada”, narra à Bazaar. Ela sabe que se leva muito a sério, é ótima profissional e, às vezes, “chata” no trabalho. “Queria me divertir, ter apenas 29 anos, dançar as músicas que gosto e me relacionar com as pessoas do disco.”

Na lista de colaborações, há nomes desde Lulu Santos e Pabllo Vittar até BaianaSystem, Tropkillaz, Anavitória, Melly e Priscila Senna. “Quero viver e não ter aquela coisa enrijecida, que coloca pressão. Quero ser eu na minha melhor versão.” Pagodeira assumida, não faz distinção se é ela ou seu pseudônimo, cujo nome dá título ao trabalho, quem deseja aproveitar a vida. Aposentou a melancolia para curtir.

“Quero falar sobre beijar na boca, sou safada, humana… Às vezes, minha essência e meu trabalho me colocam neste lugar intocável. A deusa, a musa. E não, só quero sair e tomar uma cerveja com as minhas amigas.” E isso não a faz perder sua excelência profissional. “Este disco não tem uma advertência para o outro, mas sou eu me humanizando para entenderem que existe alguém aqui dentro.”

A jornada de autoconhecimento tornou-a “mais madura, responsável por seus sentimentos e afeto e, ao mesmo tempo, sabendo impor limites”. Surge uma canceriana em paz e verdadeiramente feliz. “Fazia anos que não me sentia inteirona, me levando a sério com leveza, com gostosura mesmo.” A cantora também passou por um processo de iniciação no Candomblé, onde foi preciso, durante seu resguardo, aprender sobre este recomeço. “É o meu Renaissance [referência a Beyoncé] dentro de uma religião de matriz africana.”

Com os dois pés cravados no chão, a tríade religião, feitura do álbum e retorno de Saturno foram encarados com maestria. Não quer ser vista como arrogante ao compartilhar suas conquistas, mas quer curtir a vida. “Sozinha e com tesão, feliz e próspera, linda e segura”, resume.

Curiosa nata, a mobilidade social trouxe outros gostos e mais referências de moda ao trabalhar com stylists que aguçaram seu lado fashionista. “Adoro trocar ideias sobre imagem, sem nenhuma expectativa. Mas preciso me sentir confortável, afinal, sou eu quem vai vestir, dar entrevista ou subir ao palco. É importante saber exatamente o que estou vestindo”, diz ela sobre seu estilo que mistura street style com hi-lo – peças de garimpo se combinam com marcas renomadas como Acne Studios, Yohji Yamamoto e Rick Owens. “O conceito de tomboy tem se tornado cada vez mais interessante. Adoro usar camiseta oversized com minissaia da Burberry, por exemplo”, comenta, acrescentando que, em sua última visita a Paris, comprou as tão sonhadas tabi boots da Maison Margiela.

A maior dificuldade neste processo foi lidar com a ansiedade, porque a clareza estava na sua cabeça, mas adoraria que os companheiros pudessem ouvir seus pensamentos. Caju foi pré-produzido no fim de 2023, mas, já durante a turnê do álbum anterior, em 2022, as composições começaram a ganhar vida.

Com a alma colorida e o coração em paz, Liniker entrega um disco que reflete sua essência: vibrante, autêntica e sem medo de ser feliz. Quem quiser acompanhá-la, precisa estar pronto para abraçar toda essa força.