
Foto: Globo/Ju Coutinho
A jornalista Ana Thaís Matos é uma das mulheres que reforça o time de comentaristas nas transmissões da Copa do Qatar, na Globo, que teve início neste domingo (20.11). A pisciana de 12 de março, com ascendente aquário (quase áries, ela diz), embarcou para sua primeira aventura na TV aberta em Copa do Mundo, será a primeira comentarista mulher da seleção brasileira masculina e dividirá os holofotes na transmissão das partidas da seleção brasileira ao lado de Galvão Bueno (com exceção do primeiro jogo, quando o locutor esportivo – que havia sido diagnosticado com Covid-19 antes de viajar – será substituído por Luís Roberto) e dos ex-jogadores Roque Júnior e o “maestro” Júnior. “O hating está aí a desserviço de todos nós e o tempo inteiro. Já passei por situações péssimas de vazarem o meu telefone porque eu dei uma opinião. (…) Tem aqueles que falam que a sua opinião não é válida, porque eles não estavam acostumados com uma mulher ocupando esse lugar de opinião”, desabafa.
Aos 37 anos, a jornalista será também a primeira comentarista da história das copas a estar em um lugar que no passado foi ocupado por ases do futebol, como Pelé, Romário, Ronaldo Fenômeno e Falcão. “Não que eu esteja no lugar deles, mas é um lugar que sempre teve em destaque um jogador que foi ícone do futebol e vai ter uma mulher ali”, comemora. “O impacto visual disso é muito forte fora do Brasil. Aqui, quem acompanha futebol está meio que se acostumando. Toda hora aparece uma mulher ou outra, mas fora do Brasil eu acho que isso vai ter um impacto visual muito importante”. Ela vem se preparando porque sabe que, além de cara, esta será uma disputa “muito masculina”. “Primeiro porque as mulheres foram autorizadas a estarem nos estádios no Qatar. Nem aos estádios elas poderiam ir, por exemplo. Nos países de origem muçulmana, limitam muito a liberdade das mulheres”.
Na Globo, além de comentarista, ocupou um espaço importante nas manhãs da Globo, quando comentava de futebol no “Encontro” com Fátima Bernardes. Ali encontrou seu jeito de comunicar e simplificar a linguagem do futebol. Leia a íntegra da conversa:
Harper’s Bazaar – De onde vem sua paixão por futebol? Sei que você jogou, também, mas como tudo começou?
Ana Thaís Matos – Sempre fui estimulada a praticar esporte. Quando entrei na faculdade, não sabia para onde ia no jornalismo. Mas tinha três possibilidades: política, cultura e esportes. Até cheguei a escrever alguma coisa na área de cultura. Mas, como a faculdade tinha uns jogos universitários, e eu disputei durante cinco anos, logo no primeiro, acabei jogando várias modalidades: vôlei, futsal, nadei, fiz várias coisas… Quando voltei, os veteranos falaram que tinha de trabalhar com isso e, se pintasse um estágio, tinha de me inscrever. Na área profissional foi mais ou menos nesse caminho. Sempre joguei futebol, vôlei, fui uma frequentadora de arquibancada. Joguei 12 anos de futsal e, como no futebol as mulheres não tinham muitos lugares para jogar, onde me chamavam eu ia. Acabei ficando dois anos no beach soccer junto com o futsal, a minha base.
Mesmo no futsal não tem tantas referências femininas…
Tem Amandinha, que é o nosso maior ícone, eleita a melhor do mundo, que é recente. Mas na minha época não tinha grandes referências. A seleção feminina de vôlei é a minha grande referência no esporte até hoje. Desde a geração da Virna e da Sheila, que é a geração do final dos anos 90 (medalha de bronze), depois a geração da Mari, que foi medalha de prata naquela derrota para a Rússia. A geração de vôlei, para mim, a atual, inclusive, é a minha grande influência feminina no esporte. Sou apaixonada por vôlei e por essas meninas. Toda vez que encontro com elas no camarim, eu falo: “Obrigada por tudo”, porque realmente é uma relação de gratidão que tenho. Sempre fui muito ligada, pratiquei e consumi. Sou uma consumidora antes de qualquer coisa.
Como vocês fazem para guardar tantos números e tantos dados?
Eu estudo bastante, é o meu diferencial. Na minha adolescência, as minhas amigas colecionavam discos, CDS e revistas, como “Capricho” e muito desse mundo pop. Sempre fui pela área do esporte. Recortava revista, jornal sobre jogadores de futebol, técnico, seleções. Consumi muito isso na minha vida e acabou influenciando. Hoje em dia, quando pego uma referência do futebol dos anos 90 é porque eu realmente lembro. Isso me deu um upgrade em relação a outros colegas. No dia a dia, estou sempre ligada na tabela do campeonato, em quem tem o melhor ataque ou defesa. Consigo bater o olho em uma tabela e identificar qual é o problema do time. Isso me ajuda no fato de eu ter sido muito consumidora de futebol, de esportes e trouxe isso para minha carreira profissional.
O que seus pais fazem?
Meu pai faleceu em novembro de 2020. Ele tinha uma oficina mecânica no Jardim da Saúde, em São Paulo. Era um profissional autônomo e a minha mãe foi empregada doméstica. Hoje, é aposentada, passou a maior parte da vida trabalhando com o meu pai. Depois que se separaram, foi empregada doméstica, cozinheira, costureira – foi um pouco de tudo.
Quem foi a pessoa em casa que mais te incentivou na vida e no esporte?
Nós somos seis em casa (cinco mulheres e um homem) e todos muito consumidores de futebol. As minhas irmãs são apaixonadas por futebol e o meu irmão não é tanto do futebol, mas é do esporte. Ele é professor de Jiu-Jitsu, faixa preta, foi militar e sempre praticou esportes. Andava de skate, surfava, jogava bola, estava sempre envolvido. Como morei na periferia, o esporte é muito presente. Tem um fator determinante, também. Minha mãe sempre me deu muita liberdade – como ela trabalhava fora, eu ficava muito em casa. Tinha liberdade para decidir o que queria fazer. Fiz teatro, jazz – tudo por influência do meu irmão – e fui para o futebol muito cedo. Do futebol, fui para o vôlei, basquete de rua. Usei essa liberdade de forma positiva. Não era muito de ficar na rua, gostava mesmo de estar envolvida com alguma coisa. Mas a minha memória me leva sempre para um período anterior ao meu irmão. Sempre gostei de assistir futebol, com oito ou nove anos. Gostava e ele acabou somando a tudo isso.
Você tem algum momento marcante das Copas do Mundo?
Dois: a final da Copa de 1994, que foi a primeira. A gente não tinha televisão em casa e a gente arrumou uma emprestada para assistir à final. Não lembro muito do jogo, mas lembro da função em fazer a televisão funcionar. Era preta e branca, às vezes você batia nela e ela ficava colorida. E a Copa do Mundo de 2002 (disputada na Coreia do Sul e no Japão, que rendeu o pentacampeonato), com uns 16 ou 17 anos, e acompanhei todos os jogos com a minha mãe, minha irmã mais nova. Assistíamos a todos os jogos do Brasil sentadas na mesma posição, superstição. Ainda brincava: no segundo tempo, você tem que sair para beber água. Foi o último grande evento com a família. Lembro dos jogos, claro, muito dos jogos, mas eu lembro da gente junto ali, assistindo, torcendo e conversando sobre aquela Copa de 2002. Para mim, a mais importante.

Foto: Globo/Ju Coutinho
Por ser uma mulher no futebol, um ambiente muito masculino, você sofre ou já sofreu hating? Como você lida ou como você lidou com isso no passado?
O hating está aí a desserviço de todos nós e o tempo inteiro. Já passei por situações péssimas de vazarem o meu telefone porque eu dei uma opinião que não achava que a contratação de um jogador condenado por estupro era válida e a forma como ele era tratado. Tem aqueles do dia a dia, que estão ali só para falar que a sua opinião não é válida, porque eles não estavam acostumados com uma mulher ocupando esse lugar de opinião. Infelizmente, a internet potencializou os haters. Acho que eles sempre existiram, mas estavam lá no ostracismo do sofá da casa deles. A internet deu voz!
Muita terapia?
Imagino que a terapia e alguns fatores, também, foram importantes. No trabalho, conquistei mais respeito dos meus pares, fui mais empoderada pelos meus superiores. Então, comecei a entender de fato o lugar que ocupava e a me sentir confortável. Tem uma frase que ajuda a entender um pouco: O topo é muito solitário. Você chega em um lugar onde as pessoas não querem nem trocar ideia. Se você se destaca no seu ambiente de trabalho, as pessoas se afastam e eu comecei a me sentir muito sozinha durante muito tempo. Tinha medo, às vezes, de pedir uma opinião para algum colega porque as pessoas usavam aquilo para me depreciar. No último ano, as coisas foram mudando e amadurecendo na minha cabeça. Fui entendendo que essas pessoas tinham isso para me dar, não dependia de mim, dependia muito mais delas. Hoje estou vivendo um controle emocional melhor. Não que eu tenha me descontrolado, mas eu me sentia muito mais afetada.
Em 2019, você foi a primeira mulher a comentar um jogo da seleção brasileira masculina na TV Globo. E, agora, também na Copa. Qual é o peso disso e a representatividade?
Tenho conversado com jornalistas de outros países e vão pouquíssimas mulheres para a cobertura da Copa no Qatar, porque é uma Copa cara. Quando você tem uma Copa cara, as empresas fazem escolhas. E, obviamente, as empresas, em sua maioria, escolhem os homens. Das grandes jornalistas de outros países vão pouquíssimas. Vejo isso como um grande privilégio. Esse privilégio vem com muitas responsabilidades. Primeiro, porque eu vou ocupar uma cadeira muito importante, uma cadeira que foi ocupada não só por homens, mas por ícones do futebol: Pelé, Romário, Ronaldo Fenômeno, Falcão.
Em outras Copas, Fernanda Gentil e Fátima Bernardes foram suas inspirações. Está preparada para ser referência para outras mulheres e meninas do futuro?
Essas coisas, a gente não calcula. Se eu te disser que sempre imaginei que fosse assim, eu obviamente estaria mentindo. Mas, recentemente, me perguntaram: “Embora a gente tenha outras mulheres na linha de frente, você estará ali dando uma opinião se o Neymar vai jogar bem ou não, se ele tem que ser titular ou não, você está preparada para isso?” Confesso que não tenho uma resposta. Embora esteja há quatro anos nessa função, em uma Copa do Mundo você vai falar para cem milhões de brasileiros. E falar para as pessoas que, não necessariamente, assistem futebol durante o ciclo entre Copas. Tem um peso muito grande.
Estou me permitindo desfrutar um pouco dessa conquista, mas eu sei que tem uma influência direta e ela já está acontecendo. Acho que a influência já é muito grande aqui no Brasil, não só para as empresas de mídia e para o jornalismo esportivo, mas para a menina que quer ser ouvida, também. Tão importante quanto influenciar uma geração de jornalistas, acho que tem uma influência muito grande sobre a liberdade e a vontade das mulheres de serem ouvidas falando de futebol. Acho que esse é um ponto importante para mim.
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Nesses anos de bancada, qual você acredita que tenha sido fator determinante para estar na Copa?
Ter encontrado a minha linguagem. Isso, para mim, foi o meu pulo do gato. É uma linguagem que me coloca em conforto ali com os meus pares. Isso me deu dez anos de vida útil, mental. Uso pouco termos técnicos, também gosto de falar um pouco daquela linguagem didática, mais próximo de quando bato papo com os meus amigos no bar, na rua. Foi um ponto muito importante para me deixar confortável nas transmissões. Fiquei durante quase dois anos no “Encontro com a Fátima Bernardes”. Isso também me deu um gancho muito importante, porque a Fátima é, talvez, a maior comunicadora do Brasil. É empática, consegue prestar atenção no que o diretor está falando, no que você está falando, no que está acontecendo na plateia. Não sei como ela consegue. E eu conversava de futebol com ela como se eu estivesse conversando com a minha amiga no salão. Ali, encontrei o conforto para poder fazer as minhas brincadeiras, uma piadinha no meio da transmissão. Me permiti também arriscar um pouco mais.
Você e o Galvão (Bueno) conversaram sobre essa primeira transmissão, já que é a sua chegada na Copa e a despedida dele. Teve uma troca, workshop… Como foi essa preparação?
É muito surreal falar isso, porque o Galvão Bueno é um ícone das nossas vidas. A gente ouviu futebol a vida inteira, as nossas maiores emoções (vieram) pela voz do Galvão Bueno. Fiz a Copa do Mundo de 2019 (feminina) com ele e, desde então, sempre foi uma relação de muito respeito. O maior comunicador do esporte do Brasil nunca usou isso no dia a dia. O jornalismo tem um certo glamour e o Galvão nunca teve isso. A gente tem uma troca muito saudável, uma transmissão muito leve.
Confesso que me surpreendi muito com isso, porque eu imaginava que, nesse contexto de ser o Galvão Bueno e eu ser uma novata, teria alguma resistência. Nada disso! O Galvão só me surpreende. Estou muito feliz em fazer parte dessa reta final, já que é a última Copa dele e a minha primeira no Grupo Globo. Tem tudo para ser muito legal! Uma transmissão leve, informativa, crítica e sem esquecer a responsabilidade de ser uma alegria para o povo. É mais para você contar a história do Brasil, da seleção brasileira, que é a maior paixão do brasileiro ligado ao futebol.
Se pudesse escrever um bilhete para ser aberto no pós-Copa, o que estaria escrito?
‘Parabéns, você fez o possível e deu o seu melhor para dar certo’. Sou muito personalista, valorizo muito a minha trajetória. Sou meio Anitta, sabe? (risos) ‘Queria agradecer a mim mesma’.

Carol Barcellos , Galvão Bueno e Ana Thais Matos – Foto: Globo/João Cotta
QUIZ
Rotina
“Me equilibra e é necessária na minha vida.”
Legado
“Fazer mais meninas e mulheres serem ouvidas.”
Paixão nacional
“Seleção Brasileira de futebol.”
Bordão
“Não tenho, mas uso algumas palavras o tempo todo, como ‘confortável’.”
Fragilidade
“Todos temos, a minha está em pensar na morte.”
Ídolo
“Não tenho, mas acredito nas referências.”
Missão
“Chamar atenção para as práticas que são negativas às mulheres.”
Futuro
“Sempre complexo, mas cheio de esperança.”
Sonho
“Plano nacional de combate à violência contra a mulher.”