Mulheres que Inspiram: Constança Scofield impulsiona lideranças femininas na indústria musical

Foto: Leandro Tumenas

Os principais cargos de gestão da indústria musical ainda são ocupados em sua maioria por homens. Por isso, é tão importante celebrarmos mulheres que chegaram a essas posições e não se esqueceram de dar a mão a outras profissionais. É o caso de Constança Scofield, produtora musical que comanda o estúdio Toca do Bandido, criado por Tom Capone e por onde passaram nomes como Lenine e Maria Rita. Um dos principais nomes do cenário independente da música nacional, Constança se dedica a impulsionar talentos, com programas como o Aceleração Musical LabSonica 2.0 Toca do Bandido.

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“Seremos sempre mais completos quanto maior for a inclusão, quanto mais abraçarmos a pluralidade, quanto mais realidades puderem ser cantadas e tocadas”, afirma a produtora que, hoje em dia, além de cuidar do estúdio e do selo Toca Discos, também promove iniciativas e mentorias que incentivam mulheres a exercer cargos de liderança no mercado. Constança não quer parar por aí: também sonha em cursar um mestrado em educação para mudar a vida de jovens a partir da música.

Em entrevista à Bazaar, Constança Scofield fala sobre os desafios enfrentados na indústria musical, as conquistas e os desejos. Leia abaixo:

Harper’s Bazaar – A indústria musical é marcada por muitos homens em cargos de liderança. Como você vê a sua participação, seu jeito de trabalhar e legado nesse ramo?

Constança Scofield – Como mulher – quer em uma banda de rock, quer assumindo a gestão de um estúdio como a Toca do Bandido em um momento em que a indústria musical dava um mergulho vertical em direção ao fundo -, precisei olhar pra frente, comer pelas beiradas, contornar o papelão machista tanto das plateias, quanto de figurões do meio. Tudo isso acabou fortalecendo a minha vontade de ir em frente e manter vivo o legado do Tom Capone. Pontualmente, fui chamada de “artista” para descredibilizar a minha atuação como gestora à frente do estúdio e do selo Toca Discos, mas ouvi também de um grande player que eu tinha “a faca e o queijo na mão”. O olhar criativo, a flexibilidade e a sensibilidade foram ferramentas decisivas para que eu pudesse atravessar tantos desafios. Quase dez anos depois, com a vida mais organizada e o “filho criado”, tenho participado de várias iniciativas e mentorias promovidas por organizações, como a Women in Music e a British Council, com o objetivo de incentivar que mais mulheres exerçam funções criativas e de liderança no mercado da música. Apesar de ainda convivermos com aquele mindset antigo, de ouvirmos declarações machistas em atos falhos (ou não), acredito que ninguém mais segura a carreira de uma mulher focada, que quer chegar lá. A garantia da representatividade faz toda diferença, em qualquer empreendimento, e me vejo como uma porta-voz dessa meta.

Mulheres que Inspiram: Constança Scofield impulsiona lideranças femininas na indústria musical

Felipe Rodarte e Constança Scofield -Foto: Leandro Tumenas

Qual a sua principal plataforma de trabalho atualmente?

Me divido entre as funções de produção musical, direção artística, supervisão musical e administração do estúdio e do selo. Tenho uma grande parceria profissional e de vida com o meu marido, o produtor musical Felipe Rodarte. Criamos o duo Yin Yang Productions para produzirmos, ombro a ombro, os álbuns de alguns artistas. Nossa principal plataforma de trabalho em 2022 é o projeto Aceleração Musical LabSonica 2.0 Toca do Bandido, um programa nacional de desenvolvimento de artistas independentes que oferece diagnósticos de carreira por inteligência artificial, minicurso de music business, além da produção de EPs, ensaios fotográficos e videoclipes dos selecionados.

Qual é a marca que quer deixar nesta indústria?

A marca da diversidade. Seremos sempre mais completos quanto maior for a inclusão, quanto mais abraçarmos a pluralidade, quanto mais realidades puderem ser cantadas e tocadas. Aposto na produção musical diversa, representativa e plural por parte de quem faz e de quem produz.

Quais são suas principais metas daqui para frente?

Meu sonho é fazer um mestrado na área de pedagogia e lançar um empreendimento de ensino na área da música, voltado para adolescentes. A música é uma linguagem universal que tem o poder imenso de transformar realidades, estados emocionais, e um programa bem conduzido pode ajudar os jovens a lidar com as questões difíceis dessa fase, formar uma geração de artistas e público qualificados, sem falar no impacto social que teria para jovens bolsistas.

Mulheres que Inspiram: Constança Scofield impulsiona lideranças femininas na indústria musical

Foto: Leandro Tumenas

Você já esteve em uma banda. Estar nos bastidores é mais fácil ou mais difícil do que estar nos palcos?

Nos bastidores é mais fácil. Me realizei nos bastidores, especialmente no estúdio, onde posso criar arranjos, produzir música. Estar em uma banda me ajudou a desenvolver vários atributos, mas foi um doce acaso, nunca havia me imaginado ali. Me permiti, recém-formada em Direito em Salvador, com uma carreira na magistratura pela frente, deixar tudo para trás para gravar o primeiro álbum da banda Penélope, e aquilo foi mágico. Assim conheci o Tom. Vivi intensamente as turnês, a construção do estúdio Toca do Bandido. Tenho orgulho da minha jornada, da superação, das conquistas, das indicações ao Grammy, da produção da última faixa que fiz. Sinto que consegui dar atenção ao que importava ao longo de tantas etapas e essa jornada musical está completando 20 anos em 2022.

Como sua vivência influencia o seu trabalho?

Vivi uma experiência que diz muito sobre as dificuldades que nós mulheres vivemos no meio musical. Em 2018, inspirada na minha vivência com mulheres muito potentes, criei um programa de descontos no estúdio chamado #DeixaElaPorAMãoNoSeuSom. O desconto funcionava de forma progressiva: quanto mais mulheres em posições técnicas, criativas e de produção nas equipes, maiores descontos o cliente teria, até um teto de 30% de desconto. Ocorre que, para minha surpresa, nenhum daqueles clientes, que viviam pedindo descontos e parcerias, se interessaram pela promoção. A pergunta que se fazia era: “Mas existe uma boa baterista? Uma boa engenheira de mixagem? Uma boa produtora musical?” A única vez que consegui dar o desconto máximo foi na gravação do álbum de um quarteto de cordas chamado Cais Quarteto, que tinha uma equipe 100% formada por mulheres: musicistas, produtora, engenheira de áudio, cantoras, compositoras e até uma afinadora de piano. Elas vieram assim, juntinhas, e precisaram ser acolhidas, discutir as dificuldades de estarem sozinhas no estúdio, ter mais tempo para ganharem ritmo, e foi muito bonito. Em 2022 vamos retomar essa ideia e espero encontrar mais mulheres nas equipes, juntas e misturadas com os homens.