
Cafira comanda os restaurantes do Fitó | Foto: Divulgação
A gastronomia não foi a primeira opção de Cafira Foz como profissão, mas o prazer por receber e enxergar a culinária como algo afetivo apareceu na infância, graças aos avós. Ela, que nasceu no Piauí, relembra de forma calorosa os almoços elaborados no sítio da família. “Acredito que lá tenha sido a minha formação gastronômica. Aprendi ali a receber e promover a alegria com o ato de comer, de receber as pessoas. Essa é uma memória que me acompanha”, comenta a empresária, que não fez graduação acadêmica na área. Filha de um pai artesão e de mãe jornalista, Cafira sempre se viu flertando com o universo da manualidade, mas desde então, a gastronomia não era uma opção. Antes de criar o Fitó, restaurante especializado em comida afetiva brasileira, ela desbravou o cenário da hospitalidade e atendimento ao público. Trabalhando desde os 15 anos, ela foi atendente, vendedora, garçonete, entre outras funções, em diversas cidades do país. Até que, aos 27 anos, se mudou para São Paulo, onde conheceu seu sócio Thomaz Foz, que mais tarde veio a ser seu ex-marido.
Em entrevista exclusiva para Bazaar, a chef de cozinha comenta que o despertar para a culinária veio graças a uma viagem para França, quando foi visitar sua mãe. Na época, a empresária estava desnorteada com os próximos passos de sua carreira. “Fomos comer em um restaurante tailandês e aquilo me emocionou muito. Pensei que era aquilo que queria fazer isso todos os dias na minha vida, queria comer aquilo todos os dias”, relembra ela, que desejou ser cozinheira e chefe de cozinha aos 27 anos. “Tenho uma brutalidade tão grande em outros aspectos da minha vida pessoal que minha forma de demonstrar amor é cozinhando. Assim, deixo muito claro o amor que tenho pelas pessoas”, revela.
Primeira casa
De volta ao Brasil, nasce o Fitó, uma empresa familiar, como a nordestina gosta de dizer. “Falo muito para quem trabalha no Fitó, para quem vem trabalhar comigo, que isso aqui é um propósito”. O primeiro espaço veio a ser no Largo da Batata, região de Pinheiros, em São Paulo. Na maior metrópole do País, Cafira criou um ambiente acolhedor e receptivo, que reflete nos pratos, ambientes e até atendimento – tudo comandado por mulheres. “Para mim, sempre foi muito claro que eu ia trabalhar com mulheres. Era uma coisa muito de senso de Justiça, de pertencimento. Tinha que ser assim”, relembra a profissional, que destaca a responsabilidade em servir em um Brasil que em 2022, 21,1 milhões de pessoas estavam em insegurança alimentar grave, caracterizado por estado de fome. “Sou muito grata, porque imagina você pegar o dinheiro do seu trabalho, algo tão suado, para ir ao Fitó. É muito massa”, destaca ela, orgulhosa, e com razão.
Cafira não romantiza o título de empresária, local no qual gosta de se encaixar atualmente, e confessa que seguiu o caminho mais duro de desbravar a profissão. “Hoje, temos uma cultura empresarial que a gente consegue exercer, mas foi muito difícil no começo. Eu era completamente inexperiente, amadora, com certeza, errei muito”, diz ela, que antes do Fitó nunca tinha entrado na cozinha profissional. “Foi uma jornada também para quem estava comigo”.

Cafira comanda os restaurantes do Fitó | Foto: Divulgação
Expansão
Após cravar o restaurante como um local de destino na cidade, o Fitó ganhou uma expansão que celebra o melhor da gastronomia e da arte: na Pinacoteca do Estado de São Paulo. O grupo participou de um chamamento público com vários restaurantes, em um processo que demorou seis meses até chegar ao resultado positivo. A ocupação veio na Pina Contemporânea, que ganhou um grande salão e uma cozinha montada para um trabalho mais robusto do Fitó. No terraço da cafeteria, um food truck pop up com cadeiras de praia servindo delicias como de bolos e lanches para um papo gostoso em mesa coletiva. Já o Fitó Luz tem o intuito de celebrar cafés da manhã tardios entre um jardim lindo como o da Pina. Desta forma, a culinária nordestina se espalha em um dos museus importantes da cidade. “Quanta história tem até chegar a virar a própria Pinacoteca. A cultura café com leite, o DOPS que a dali na estação, a nova vida contemporânea que foi criada recentemente”, reflete.
Para levar ainda mais propósito, Cafira afirma que tem estudado muito, pesquisado e entendido muito qual é a situação geopolítica da própria religião, para que tudo realmente tenha conexão. “Trouxe dois antropólogos para escrever o projeto comigo, Cleu Martins da Barra, Deia Matos também, e Thomaz, o meu sócio que é antropólogo. Estamos tendo muito cuidado para desenvolver um projeto que faça sentido em um local que a gente ocupa”. A chefe de cozinha conta que a oportunidade caiu como uma luva, pois já vinha estudando formas de expansão do grupo, e estar em um espaço artístico como a Pinacoteca é a melhor forma de encarar a cidade e andar com ela. “É difícil para caramba abrir algo, pegar milhões no banco. Estava pensando em qual seria a motivação para abrir outro restaurante, pensando em outras possibilidades”, divide Cafira, que comemora a abertura gratuita da Pinacoteca aos sábados como forma de expansão da cultura: “É muito importante esse movimento”.
Futuro
Daqui para frente, a empresária pretende focar em “ajustar as casas”, principalmente as novas, mas sem esquecer do primeiro Fitó – que está sempre com novidades, como por exemplo, apresentações do Forró das Minas e o Chêro, evento que exalta a coquetelaria brasileira de excelência feita por mulheres. “Muitas vezes dou conta de tudo, outras não dou, então é revendo as prioridades”, diz profissional, que destaca o seu lugar preferido no mundo: o balcão. No entanto, Cafira diz ter a pretenção de “abandonar” esse lado de cozinheira chefe. A ideia é deixar para as chefes dos Fitós crescerem, serem mais vistas e terem autonomia. Agora, ela acredita que como empresária traz muito mais recursos para o negócio. “Quero estar em rodas de conversas sobre o negócios, dinheiro, bancos. Se eu ficar lá com a barriga na cozinha, o negócio não vai andar. Não vai agregar para mim e para as minhas. Para movimentar os negócios de frente feminina, a gente precisa desses recursos e eles não estão acessíveis.”
Perto de completar 40 anos, a empresária revela que não que entrar e contribuir no apagamento das mulheres dessa idade, comportamento padronizado pela sociedade atual. “Tenho olhado muito para o que é jovem, o novo, para as novas histórias inventadas. Tenho muito medo de ficar cheia de certezas que não levam mais a nada. Tento me conectar com quem não conheço, com pessoas que arriscam e apostam no radical”, finaliza ela, que revela as mulheres que lhe inspiram: todas as mulheres que trabalham comigo (Elizete, Morena, Renata, Débora, Amil, Flávia, Úrsula, Letícia, entre outras), minha avó, Ana Luiza Trajano, Neide Rigo, Irina Cordeiro, Ieda de Matos, Mari Sciotti, Liniker, Assucena, Gal Costa e Dilma Rousseff.