Mulheres que inspiram: Maria Marighella é a primeira presidente nordestina da Funarte

Foto: Amanda Tropicana

Neta de Carlos Marighella e tataraneta de escravos trazidos do Sudão, na África, Maria Marighella não carrega apenas a ancestralidade do avô revolucionário, que chegou a ser considerado o “inimigo número um” do regime militar brasileiro – que durou de 1964 a 1985 –, mas traz consigo ideais de um país inclusivo, democrático e cheio de oportunidades. “Foi por isso que Marighella lutou”, justifica.

Maria Fernandes nasceu em Salvador, em janeiro de 1976, auge da ditadura comandada por Ernesto Geisel, sete anos depois do assassinato violento de Carlos Marighella, emboscado em uma ação liderada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, em plena Alameda Casa Branca, bairro nobre da capital paulista – e quando o pai, Carlinhos, estava detido por conta da “Operação Radar”, que prendeu integrantes do Partido Comunista (PCB) e a avó, Clara, havia sido exilada em Cuba.

Atriz, professora, ativista cultural e gestora de políticas públicas, a ex-vereadora soteropolitana assumiu neste ano a presidência da Funarte. “A cultura é a voz que une múltiplas vozes para resgatar um bem comum”, diz. Mãe de Zeca e de Bento, feminista convicta e integrante de causas coletivas com temas antirracistas e ambientais, Maria Marighella comemora o momento de reconstrução da arte e o seu retorno à pasta – ela coordenou a área de teatro entre 2015 e 2016. “Junto aos segmentos artísticos e em constante diálogo com os servidores, vamos retomar a implantação da política nacional das artes e refundar a Funarte que, em 2025, completará 50 anos.”

Enquanto boa parte dos brasileiros cresceu ouvindo roteiros assustadores sobre os militantes de esquerda, o comunismo e outras mazelas que permeiam os movimentos sociais e que se refletem ainda hoje no pensamento conservador que trouxe à tona políticos radicais – e manteve o apagamento sistemático daqueles que batalharam pelo estado democrático –, Maria foi criada para superar a brutalidade de um tempo que não se pode querer de volta.

“Fui perguntada por um professor da Universidade de Harvard (nos Estados Unidos) sobre o aceno ao radicalismo por boa parte da população na eleição majoritária de 2022 – e só me parece provável que este cenário tenha sido consolidado graças à falta de equidade social e de conhecimento histórico, porém, é necessário que sejam feitas pesquisas profundas para um entendimento real. Costumo dizer que ‘quem não sabe o que procurar, não reconhece quando encontra a resposta’”.

Há quem imagine que todo herdeiro siga os passos de seus progenitores. Mas o simples fato de se carregar nas veias o mesmo sangue de uma figura do quilate de Karl Marx não o transforma em coautor do “Manifesto Comunista”. Evidentemente, não existe nenhuma fração de racionalidade em tal argumento, contudo, é esperado que o legado geracional seja intrínseco à biografia de quem tem sobrenome de peso. Maria sabe disso e faz questão de revisitar (e recontar) a jornada do avô para os mais jovens. “Fui educada para desempenhar este papel. Frequentei a ‘Escola Experimental’, que era construtivista, fundada por Amabília Almeida, e aprendi a ter orgulho da trajetória do Marighella. Ali eu fui acolhida e protegida. Lia ‘O Pasquim’, escutava Chico Buarque e todos os bacanas da MPB. Tive a sorte de ter densidade cultural. A lápide do meu avô é uma obra assinada por Oscar Niemeyer. Marighella é o meu chão, é o caminho que me sustenta. Ele é um herói nacional e não podemos mais inverter a lógica de condecorar torturadores e condenar aqueles que deram a própria vida para reestabelecer a democracia.”