Safira Moreira – Foto: Divulgação

Safira Moreira é fotógrafa e cineasta baiana que explora a imagem e a força de pessoas negras em seus trabalhos. É dona do curta-metragem “Travessia”, em que exibe a história da mãe e da avó. “Eu digo que ‘Travessia’ é um filme que tem vida própria. Nasceu de algo muito pessoal, e pela sua força atravessou muitos lugares, que eu mesma nunca havia imaginado para o filme. Aprendi muito nesse processo todo”, conta. Ainda sobre o curta-metragem, Safira diz que ele surge  principalmente da ausência de imagem da avó Maria do Carmo, e do encontro com as fotografias antigas de mulheres negras a partir do garimpo que realiza em feiras de antiguidade. “A foto que abre o filme devo ter comprado por R$ 2.”

Estudou  cinema na Escola de Cinema Darcy Ribeiro e também no Centro Afrocarioca de Cinema, escola fundada por Zózimo. Também cursou artes visuais no Parque Lage, e fez alguns semestres do bacharelado em artes da Universidade Federal da Bahia, mas acabou trancando o curso quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 2014.

A fotografia e o cinema estão em sua vida de forma igualitária, ela não sabe dizer o que vem primeiro, como diz: “Quanto à fotografia e ao cinema, não consigo hierarquizar, acredito mais nos movimentos em espiral”. Mas, na verdade, tudo começa quando a família ganha uma máquina fotográfica de uma amiga. “Minha relação com a fotografia passa pela abundância e pela escassez. Existem muitas imagens de minha infância ao mesmo tempo em que não há registro de minha avó [Maria do Carmo] . Busco na fotografia criar um grande álbum de família(s) negra(s). Preencher (e transbordar) as lacunas.”

A cineasta em si nasce no Engenho Velho da Federação [bairro tradicional de Salvador], ainda criança, brincando de candomblé com as irmãs, Inaê e Daza, depois de assistir a uma festa de Oxum no terreiro.

Safira Moreira – Foto: Divulgação

Safira conta que sua infância foi maravilhosa, rodeada de brincadeiras de criança com as irmãs e vizinhos. “Maravilhosa! De muita brincadeira com minhas irmãs, meus vizinhos, primos. Cresci no bairro do Engenho Velho da Federação, que considero um solo sagrado de Salvador, um espaço que abarca grande parte dos terreiros de candomblé da cidade. Fiz balé e dança moderna na Fundação Cultural do Estado da Bahia, e passei muitas tardes na galeria de Carybé, no Pelourinho, onde minha mãe trabalhava na época.”

Atualmente vivendo em Salvador, Safira conta que a influência de sua família em seu trabalho é algo enraizado. Seus pais têm grande importância em sua vida. “Meus pais são minhas primeiras referências. Tenho muita sorte de ser filha de Angélica Moreira, uma mulher incrível que atualmente realiza o projeto de etnogastronomia, Ajeum da Diáspora, e de Chico da Prata, ourives pioneiro na feitura de joias com simbologia dos Orixás, que junto com minha mãe criou a marca Joias dos Orixás. Todo meu sentido estético foi construído a partir do trabalho de meus pais, do modo como minha mãe se vestia, dos lugares que eles nos levavam. Não à toa, eu e minha irmã Inaê nos tornamos artistas.”

E é na mãe e na avó Maria do Carmo que ela vê sua influência de vida mais latente, diz que tem deve tudo a elas. A avó criou quatro filhos sozinha, passou a vida como lavadeira e empregada doméstica. Embora Safira não a tenha conhecido pessoalmente, diz que a carrega junto dela. Já a mãe, Angélica, foi quem forjou seu olhar para o mundo, o pensamento político, a leitura, a música, os sonhos e a força para enfrentar as adversidades. 

“Travessia”

O fime de Safira foi apresentado no Festival Internacional de Rotterdam e daí surgiram várias premiações. Agora estreia na Mostra Ecos de 1922 – Modernismo no Cinema Brasileiro, no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (04.04), às 17h. Ela diz que sempre a alegra a possibilidade de as pessoas assistirem ao filme, e que acredita que é quando ele de fato acontece, no encontro com o olhar do outro (espectador), é onde ele ganha vida.

“Tem uma fala da Bell Hooks que ela diz que ‘ao termos coragem de olhar, nós desafiadoramente declaramos: Eu não só vou olhar. Quero que meu olhar mude a realidade’. Acho que esse é meu desejo com a imagem e o cinema. Criar uma cartografia negra, um espaço para se navegar entre o passado e o presente-futuro.”

Sobre a atual cena brasileira do cinema negro no Brasil, ela é otimista, diz que vê como um espaço de potência infinita. Questionada sobre a importância de dar voz a pessoas negras em seus trabalhos de fotografia e cinema, Safira explica que não lhe agrada a essa expressão “dar voz”. As vozes estão aí há séculos, o que não “deram” foi a escuta. “No mais, a memória que eu venho buscando criar passa sim por uma oralitura negra.”