Quando analisamos a trajetória e o currículo de Regina Casé, é fácil notar um fator que se repete em todos os seus trabalhos: a força feminina. Seja com suas personagens, como Dona Lurdes, em “Amor de Mãe”, e Val, em “Que Horas Ela Volta?”, seu trabalho como apresentadora – como esquecer a importância da visibilidade brasileira propagada por “Esquenta!”? – ou com sua vida pessoal, a artista é um exemplo de potência feminina e uma contadora de histórias de mulheres poderosas.
À convite da Ipanema, Regina Casé deu vida a mais uma história poderosa na campanha da coleção Ipanema Sempre Nova. No vídeo, a atriz conta, em primeira pessoa, a história de Marlene. Dona de um restaurante, mãe e ex-enfermeira, ela se tornou caloura da Universidade de São Paulo aos quase 60 anos e, por sua trajetória na cozinha e sua relação com o cambuci, passou a cultivar o fruto.
A campanha, que também conta com Ana Clara e Erika Januza, tem o objetivo de contar histórias de mulheres fortes, que deram os primeiros passos para se tornarem quem são – iniciativa que combina com perfeição com toda a trajetória de Regina. Em entrevista à Bazaar, a atriz reflete sobre ser plataforma para essas histórias, a importância de contá-las e os planos para o futuro. Leia na íntegra:
Harper’s Bazaar – Como você se sente dando vida às histórias de mulheres inspiradoras?
Regina Casé – Me sinto honrada, porque acho que, apesar de muitas dessas mulheres terem uma vida incrível, linda, memorável e inspiradora, muitas delas não têm voz e visibilidade. Então, fazer da minha profissão algo que possa dar luz a essas existências, que tanto nos engrandecem, é uma honra!
Tanto na campanha, quanto no “Esquenta” e em seus últimos trabalhos de atuação, histórias fortes sempre te rondam. Quando decidiu se dedicar ao entretenimento, esse era o seu objetivo?
Quando passei a ter meus próprios programas, ali no começo dos anos 1990, percebi que só se falava das celebridades na televisão. Ao passo que pessoas que tinham uma vida incrível e que para mim eram muito importantes, que eram agentes culturais muito fortes e eram a maioria da população brasileira, não estavam na televisão, não estavam aparecendo ali, não estavam com o rosto na tela e com sua voz sendo ouvida. Eu não fiz isso só como uma reparação de desigualdade e injustiça, fiz isso por um interesse genuíno e uma curiosidade imensa de saber mais sobre essas pessoas que fazem a nossa história e parecem que não existem nos livros de história.
Ao longo de sua trajetória, se lembra de alguma história que te marca até hoje?
Inúmeras! De cada trabalho que fiz, poderia escolher uma que foi a chave para eu entrar naquele universo. Lembro de quando fui fazer o filme “Eu, Tu, Eles” (2000), do Andrucha Waddington, fomos um mês antes para o sertão de Pernambuco e da Bahia, mas mais da Bahia, no sertão do Juazeiro. Lá, conheci a Dona Luzia, que morava sozinha em um lugar ermo e muito distante de qualquer cidade ou povoado. Tudo o que a gente fala hoje em dia sobre sustentabilidade, de plantar e colher seu próprio sustento, de conseguir produzir e fazer artesanalmente tudo que ela precisava para a vida dela. Todos esses valores que começamos a prezar agora e ver que são imprescindíveis para a nossa existência na Terra, a Dona Luzia já sabia e fazia de tudo sozinha. Ela era uma mulher incrível e nunca vou me esquecer da Dona Luzia!
Como enxerga a importância de mulheres em destaque darem espaço para a história de outras mulheres?
É uma pena que isso ainda seja necessário. Toda vez que faço isso, fico feliz e isso me recompensa, mas o ideal seria que isso nem fosse necessário, se a gente vivesse numa sociedade, num país em que todas as mulheres tivessem as mesmas oportunidades. Principalmente na educação, porque acho que a educação faz com que a pessoa consiga expressar suas ideias de uma maneira clara, que atinja muita gente e tenha acesso aos canais, veículos e lugares em que ela possa ser ouvida por muita gente. Por enquanto, é importante que as mulheres que tenham voz deem voz a outras mulheres. Mas o maior trabalho de nós, que já temos esse espaço, é fazer com que essas outras mulheres tenham sua própria voz.
Se precisasse se reinventar profissionalmente, como Marlene, qual área gostaria de seguir?
Botânica, sem pensar duas vezes! Eu gostaria de trabalhar com ilustração botânica ou, pelo menos, se não desse para aprofundar muito, com paisagismo.
Em entrevistas, você comentou sobre planos de interpretar uma vilã. Como acha que será a experiência? Como é o processo de se desligar de uma personagem forte e criar outra com características opostas?
Isso é o mais fascinante da minha profissão. Já vi até em comentários da internet: “A Regina fazendo uma vilã? Nunca pensei.” Aí é que está o negócio, isso que é bom: o “nunca pensei”. O que você já pensou, está pensado. O legal é o que você nunca pensou. Claro que dá um medo do novo, mas estou indo para esse trabalho com muita vontade, ânimo e coragem!
Se você pudesse escolher a história de uma mulher para dar vida, qual seria?
Eu cheguei agora de Portugal… Não é uma mulher específica, mas sempre tive vontade de fazer uma estrangeira. Não domino, apesar de falar inglês e francês assim não perfeitamente, mas sei quebrar bem o galho, falar um pouco de espanhol e de italiano. É muito difícil fazer uma estrangeira que convença alguém de que eu sou uma estrangeira. Mas você sabe que uma portuguesa? Apesar de ser estrangeira. Talvez porque eu tenha vivido lá quando era mais menina, minha mãe viveu muitos anos, e porque gosto muito de lá e fui inúmeras vezes. É engraçado que no táxi e nos lugares, usava o português de Portugal como se fosse uma outra língua. Eu estou falando o português brasileiro, e aí começava a falar inglês ou francês, só que era português, e eles falavam: “Essa menina é daqui de Lisboa?” e era engraçado. Se eu estudasse bastante a prosódia, conseguiria fazer uma portuguesa e ia adorar fazer isso!


