
Irina Cordeiro – Foto: Rafael Brilhante
Com uma trajetória marcada pela paixão pela culinária e pelas raízes brasileiras, Irina Cordeiro não é apenas uma chef, mas uma verdadeira influenciadora da gastronomia contemporânea. Conhecida por valorizar a ancestralidade e a sustentabilidade em suas criações, ela conecta o ato de cozinhar com o mundo da moda, onde a apresentação, o estilo e a criatividade andam lado a lado. Em uma entrevista repleta de sensibilidade, Irina Cordeiro revela como suas vivências e inspirações transformam pratos em verdadeiras obras de arte e expressão pessoal.
Bazaar Brasil – Você enxerga alguma conexão entre gastronomia e moda? Como essas duas formas de expressão criativa se encontram no seu trabalho?
Irina Cordeiro – Muito. Ambos são trabalhos manufaturados, que envolvem uma cadeia, um movimento coletivo para sua realização. Além da estética e apresentação, os parâmetros de tendência, inovação e sustentabilidade também permeiam esses universos criativos. Desde pequena, era apaixonada por panos. Lembro que, ainda criança, eu mesma direcionava a costureira para fazer roupas diferentes das que havia no mercado, que eu pudesse vestir. Além de desenhar, amava fazer roupas para as bonecas. Esses universos são muito próximos para mim. A forma como apresento meus pratos e como me visto, os estudos para o menu de cada projeto e a humanização desses processos criativos ditam como o mundo me enxerga. Cozinhar e moda são formas de me comunicar.
HB – De onde vêm suas inspirações na hora de criar novos pratos? Existe algum momento ou lugar que desperta mais a sua criatividade?
IC – Sim. Eu busco no passado, na ancestralidade e nas potências do Brasil diverso para a criação. Hoje, já conheço o Brasil em quase sua totalidade, seja culturalmente, seja por sua história e por seus sabores. Meus diálogos de viagem com o povo me fazem compreender nosso real tamanho, e é isso que sirvo na minha mesa. Gente me inspira.
HB – Como você costuma desenvolver seus pratos? Quais são as etapas do seu processo criativo na cozinha?
IC – Sou uma alquimista. A criatividade é algo muito simples, visceral e poético para mim. As ideias surgem das mais diversas formas do meu cotidiano. E da forma mais bruta que vem à mente, isso se transfere ao prato. No Irina Restaurante, mudamos de cardápio com as estações. Daí levanto o que teremos de mais fresco, faço uma compra desses itens e vou com meu time para a cozinha testar. Uso meu banco de referências ancestrais e vou brincar. Com diversão, saúde e tradição surgem cada temperada. No inverno, fizemos PIMENTA-DE-CHEIRO E MEL DE ABELHA NATIVA para ilustrar todo o menu. O mel, por ser um bálsamo para o pulmão, protege do frio e gera imunidade; a pimenta, por ser termogênica, traz sensação de alegria. No mais, é brincar de misturar.

Irina Cordeiro – Foto: Rafael Brilhante
HB – Quais são seus temperos favoritos na hora de cozinhar e como eles influenciam o resultado final dos pratos?
IC – Como citei anteriormente, no meu prato, a saúde é meu principal ingrediente. Não se justifica mais fazer comidas que não agradem às pessoas. O segundo é a valorização das tradições, em especial para mim, as do nosso país. A pitada de alegria e diversão dão o axé do prato. No mais, um pouco de pimenta, limão e amor, seja pelo alimento preparado, seja pela forma como humanizo minhas cozinhas, pois gente feliz é a única coisa que nunca pode faltar.
HB – Qual foi a combinação de ingredientes mais inusitada que você já testou e que surpreendeu o paladar dos seus clientes?
IC – Eu participei de um reality de gastronomia, né? Então já pude me experienciar das mais diversas formas, e acredite… Vai dar certo! Mas, no geral, na minha comida, gosto da simplicidade das coisas. Não tenho grandes inversões e misturas. A base do Irina Restaurante são frutos do mar com frutas tropicais; isso não é muito convencional no Sudeste, mas as pessoas gostam.

Irina Cordeiro – Foto: Rafael Brilhante
HB – De todos os chefs do mundo, com quem você sonha em cozinhar algum dia?
IC – Eu sou apaixonada pelas cozinheiras deste Brasil. As mães e avós. Não tenho essa admiração pelos grandes chefs. Para mim, conhecer, cozinhar e ouvir mulheres pelo Brasil, sejam em suas casas ou em seus restaurantes simples, é a maior das realizações.
HB – Qual é o seu restaurante favorito em São Paulo (que não seja o seu)?
IC Ando numa fase de “ping yang”. Um tailandês MUITO PICANTE é delicioso. Brasa, saladas, molhos incríveis e a melhor carta de saquê da cidade.
HB – Quais são as tendências culinárias que você enxerga ganhando força atualmente? Alguma novidade que você gostaria de explorar no futuro?
IC – A saúde e a sustentabilidade. Cada dia mais, o mercado de alimentos adota esse valor que deve ser primordial. Comer com saúde pode e deve ser delicioso. Isso é alimentar e nutrir. Não existe mais o que criar; devemos resgatar. Esse trabalho de ir ao passado, nas tradições e na minha ancestralidade, é o meu futuro.
HB – A sustentabilidade tem um papel importante na sua cozinha? Como você procura incorporar ingredientes frescos e de origem responsável nas suas criações?
IC – Muito. Uma cadeia que abraça meus valores pessoais e sociais. Seja pela humanização do ambiente de trabalho, os alimentos de agricultura familiar, a valorização do que é 100% Brasil, a cultura preservada na mensagem ao cliente, a responsabilidade com meu lixo e por aí vai. Durante anos, tivemos um cenário onde o importante era a criação de alguém. Hoje, as pessoas querem entrar na cozinha e saber como é feito e como os processos acontecem. E isso é muito massa! Hoje, um negócio de sucesso é o que sustenta uma cadeia em respeito ao mundo lá fora.

Irina Cordeiro – Foto: Ian Rassari
HB – Se você tivesse que escolher um filme, um drink, uma comida, um livro e uma frase que te representam, quais seriam?
Filme: “Viajo porque preciso, volto porque te amo”. Um filme lado B brasileiro que me inspira demais. “Eu quero uma vida a lazer”.
Drink: eu sou do time salgado e amargo. Amo Bloody Mary!
Livro: Que difícil dizer um só. Mas “As receitas amorosas de uma feiticeira” mudou minha vida. Cozinhar com intenção e magia.
HB – Qual seria a última comida que você pediria se estivesse no corredor da morte? (Risos)
IC – Ih, difícil, porque morreria com muitas boas lembranças. Mas um prato de cuscuz seria meu desejo.
HB – Além da gastronomia, você segue algum estilo de vida ou rotina que considera importante para a sua criatividade e produtividade na cozinha?
IC – Criatividade é um processo, que, como qualquer trabalho, deve ser exercitado e estimulado. Eu escrevo todos os dias. Colocar no papel pensamentos e devaneios é um exercício saudável para a expansão mental. Depois disso, viajar sempre e se aventurar sempre.
HB – Quais são seus planos para o futuro? Existe algum projeto ou conceito novo que você está desenvolvendo e gostaria de compartilhar?
IC – O Cuscuz da Irina é um projeto de franquia desde seu nascimento, e agora estamos vivendo esse mergulho. A primeira unidade, além da que já existe na Vila Madalena, vai inaugurar em Santa Cecília, SP. Agora é estourar que nem pipoca pelo Brasil e fora dele também. Escalonar, multiplicar e tornar o cuscuz um movimento de saúde, como já fizeram com a tapioca.

