Sexo e a Cidade: Candace Bushnell fala sobre moda, feminismo e dates ruins (Foto: Getty Images)

Aos 65 anos, Candace Bushnell ainda é uma it-girl. Cabelos loiros, vestido floral… é quase como se ela não tivesse sofrido com a virada do século. Quase porque, apesar de manter a aura dos 1990s – década em que publicou seu maior sucesso, Sex And The City –, está completamente atualizada. É ativa nas redes sociais (tem até perfil no TikTok) e, há um ano, faz turnês pelo mundo com seu “one woman show”, True Tales of Sex, Success and Sex and The City, em que assume o palco de teatros para falar sobre a vida agitada que leva enquanto jornalista, novelista, fashionista e feminista. 

Tem opiniões fortes sobre tudo, mas tenta não se levar a sério. Quando criou a personagem de Carrie Bradshaw (um alter ego com quem divide as iniciais), encontrou um canal para externalizar seu olhar observador e inspirar, de formas várias, mulheres em suas próprias vidas pessoais. Candace cresceu em Connecticut durante os anos 1960, mas sonhava com o glamour de Nova York desde cedo. Em Manhattan, como jornalista freelancer, descobriu um universo novo em plena década de 1980, em que ombreiras, dinheiro e os homens de Wall Street dominavam. Com a aptidão para o texto afiado, explorou as camadas de poder e liberdade sexual da era, perfumada por cigarros e Cosmopolitans, com uma afeição pela moda e um queda por pares de Manolo Blahník.

Candace Bushnell criou a personagem Carrie Bradshaw como seu alter ego nos anos 1990. A atriz Sarah Jessica Parker deu vida ao papel na série de sucesso “Sex And The City”. (Foto: Getty Images)

Da noite para o dia (Candace sempre foi mais inclinada à primeira), se tornou sucesso e, fisgada por Hollywood, transformou seu best-seller Sex And The City em um dos roteiros mais aclamados da geração, ainda um hit na cultura pop. Já são 20 anos desde que o último episódio da série foi ao ar e, com a nova temporada de And Just Like That… a caminho, a autora revela a mulher que continua inspirada e conectada com o mundo que criticou e reverenciou em suas obras. 

Guilherme de Beauharnais: Carrie Bradshaw! Quero dizer, Candace Bushnell! (risos) Como está Nova York? 

Candace Bushnell: Um pouco nublado… mas é Nova York! 

GDB: Sempre me inspirou muito. É uma dessas cidades feitas perfeitas para escrever. Você sabe bem, não? Manhattan é sua musa. 

CB: De muitas formas. Mas as pessoas que moram nela também. 

GDB: Antes de virar livro e série, Sex And The City era uma coluna de jornal. Imaginou que teria todo esse impacto em gerações futuras? 

CB: Sim, esse sempre foi meu objetivo. O mundo em que eu cresci era muito sexista e eu sempre quis mudar isso. Queria mostrar que as mulheres não eram o estereótipo em que se acreditava e que podiam ser o que quisessem.

“O mundo em que eu cresci era muito sexista e eu sempre quis mudar isso. Queria mostrar que as mulheres não eram o estereótipo em que se acreditava e que podiam ser o que quisessem.” Na foto, Candace em Nova York, em 1996 (Foto: Getty Images)

GDB: Você é de uma geração diferente de, digamos, Simone de Beauvoir, e escreveu sobre temas feministas a partir das suas próprias vivências enquanto mulher e profissional no mercado editorial. Acha que suas impressões e alfinetadas resistiram ao tempo? 

CB: Absolutamente. As mulheres ficaram mais espertas e sábias sobre as relações entre os sexos. Nas redes sociais, as vejo falando abertamente sobre a realidade dos relacionamentos heterossexuais. A verdade é que a pessoa mais perigosa para uma mulher é seu parceiro masculino íntimo e, ainda assim, insistimos em falar para elas que precisam centrar suas vidas nos homens e nos filhos. 

GDB: Acha que o futuro vai continuar assim? 

CB: Não. No futuro, todos seremos mais iguais. A pressão sobre ter filhos vai desaparecer e, apesar do que os republicanos daqui falam, a mulher livre e sem filhos vai dominar o mundo. 

GDB: Estamos próximos desse momento? 

CB: Às vezes, damos alguns passos para trás, mas essa é uma questão que não pode mais ser silenciada. As mulheres já reconhecem o perigo de não viverem as próprias vidas. Elas querem ganhar seu próprio dinheiro e fazer suas próprias escolhas. 

GDB: Você mesma continua a encarnar essa liberdade feminina. Sente que pagou um preço caro por isso? 

CB: Não. É fantástico poder fazer suas próprias escolhas e viver de forma autêntica. Um luxo, na verdade. Quem paga o preço alto são as mulheres que compram a ideia de que um casamento heterossexual e uma família tradicional vai salvá-las de algum sofrimento. Elas desistem de suas próprias carreiras para cuidar dos filhos e dos maridos comuns, que muitas vezes também se comportam como filhos e até traem. Depois, essas mulheres se sentem ignoradas, se divorciam e são deixadas sem nada. Esse, sim, é um preço caro.

As atrizes Sarah Jessica Parker, Kim Cattrall, Kristin Davis e Cynthia Nixon, que eternizaram as protagonistas da coluna e livro ‘Sex And The City’ na produção televisa da década de 1990. (Foto: Getty Images)

GDB: Sei que você deixou de trabalhar na produção televisiva de Sex And The City depois que Carrie, começou a ter um caso com o galã Mr. Big, um homem casado. Você sentiu que a personagem não te representava mais… 

CB: Enquanto história, sempre imaginei o casamento de Big como o fim da trama, mas a série tinha audiência e precisava continuar… 

GDB: Traições à parte, o que você acha da ideia de relacionamentos abertos, trisais e amor-livre que têm atraído essa geração? 

CB: O maior motivo para eu ter escrito Sex And The City é que nenhuma das mulheres com as quais eu convivia tinham vidas sexuais conservadoras. O poliamor existe desde sempre, mas, geralmente, não funciona. Há ciúmes, brigas… alguém sempre sai machucado enquanto os outros se divertem. Claro, é algo que pode ser explorado e as pessoas têm cada vez mais essa liberdade, mas é complicado.

“O maior motivo para eu ter escrito Sex And The City é que nenhuma das mulheres com as quais eu convivia tinham vidas sexuais conservadoras.” (Foto: Getty Images)

GDB: Você se considera uma defensora da monogamia? 

CB: Acho que se você está em uma relação monogâmica que dura e funciona, é sorte. 

GDB: Não acredita no amor? 

CB: Eu acredito em companheirismo e respeito. É possível ter amor, mas você também pode odiar seu parceiro às vezes. Me lembro das palavras do príncipe Charles, quando era noivo de Diana: whatever love means. 

GDB: Sua vida pessoal e seus relacionamentos já viraram muito assunto de mídia, especialmente nas colunas sociais. Li que você já saiu com um homem de 91 anos e outro, de 21, na mesma semana! Só posso imaginar a diferença… Você já teve um date ruim? 

CB: Nunca tive um desses encontros horripilantes que já escutei de muitas mulheres, mas já tive um bem ruim. 

GBD: Estou ouvindo… 

CB: No ano passado, um homem me chamou para almoçar e, quando cheguei, ele já havia tomado três drinks e insistiu para pedirmos um monte de comida. Eu nem estava com fome e ele acabou não comendo nada. Quer saber a pior parte? 

GDB: Qual? 

CB: Ele tinha “esquecido” a carteira! 

GDB: Ah, não! (risos) 

CB: Acontece. (risos) 

GDB: Qual o problema dos homens? 

CB: É difícil dizer… Mas acho que os papéis de gênero estabelecidos atrapalham. Hoje, as coisas mudaram um pouco e isso é ótimo. No passado, tudo era uma grande performance.

“No futuro, todos seremos mais iguais. A pressão sobre ter filhos vai desaparecer e, apesar do que os republicanos daqui falam, a mulher livre e sem filhos vai dominar o mundo.” (Foto: Getty Images)

GDB: Falando em performance… seu alter ego, Carrie Bradshaw, tinha muitas excentricidades que se tornaram icônicas em Sex And The City, como fumar desesperadamente enquanto escrevia suas colunas. Você era assim mesmo? 

CB: Muito. Não conheci ninguém, nos anos 1980 e 1990, que não fumasse. Fazia parte da atmosfera. 

GDB: Agora, o vape é o momento. 

CB: Sim… mas ainda acho que é uma geração muito mais saudável! (risos) 

GDB: E a rotina de Cosmopolitans? 

CB: Ainda bebo ocasionalmente, mas tenho preferido champagne. A verdade é que eu não saio mais como antes. Acredito que aquela cena, de vinte ou trinta anos atrás, nem exista mais. 

GDB: A moda também mudou, ainda que você e Carrie continuem referências de estilo. Sente que seu guarda-roupa evoluiu de alguma forma nas últimas décadas? 

CB: Não acho que meu estilo tenha mudado… É inato! 

GDB: Já pensou em ser estilista? 

CB: Quando penso o quanto as pessoas ganharam, nos últimos anos, com a moda, acho que eu deveria ter sido estilista. (risos) 

GBD: Nunca pensou em fugir disso tudo? Da moda, do glamour… ir buscar paz? (risos) 

CB: Hum… não. Os anos 1990, em Nova York, foram muito divertidos. Era um mundo pequeno em que sobreviver era possível. Não tínhamos redes sociais, celulares com câmeras… De certa forma, o sentimento de liberdade e criatividade era maior. A qualidade, aliás, era maior. Hoje, tudo é movido pela audiência e isso não significa muita coisa. Acho que esse é o maior desafio da nova geração: equilibrar individualidade, originalidade e público. 

GDB: Essas são suas especialidades. Você é autora de muitos best-sellers! Existe algum, de outro escritor, que gostaria de ter sido sua ideia? 

CB: Harry Potter! (risos)

A atriz Jessica Parker no papel de Carrie Bradshaw, em 1998. (Foto: Getty Images)

A entrevista que você acabou de ler foi publicada originalmente como “Ela e as Mulheres”, na edição de setembro/2024 da Harper’s BAZAAR Brasil, pelo editor de moda Guilherme de Beauharnais.