
Wendy Andrade
Por Gilberto Júnior
Quando foi provocado a pensar em um fotolivro, Wendy Andrade queria contar uma história que a sociedade, talvez, insista em não enxergar: meninos negros felizes. Seu desejo era mostrar garotos que se lançam na direção do céu na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro
e na Baía de Todos os Santos, na Bahia. Ambas traduzem um ritual de liberdade potente para reivindicar seus direitos de ascender, voar, se libertar das amarras do racismo. “Esses lugares foram portos de chegada de escravos e, agora, em um pulo que muda a trajetória, os guris ressignificam os espaços.”
Eu Consigo teVer Feliz nasceu da vontade de Wendy de materializar seu trabalho, fazer daquilo que vê algo concreto, possível de ser tocado pelas mãos. “Era uma vontade antiga, pois acredito na simbologia e no poder que um livro tem de transformação, não só no âmbito da educação, mas em um imaginário de possibilidades”, explica ele, que levou três anos para colocar o projeto, de fato, nas ruas. “Fui instigado pelo editor de fotolivros Vitor Casemiro a olhar meu material e pensar no que eu gostaria de falar em uma publicação. E revirando meu acervo, me deparei com o que mais gosto de clicar, que é justamente esse menino negro em uma simbologia reversa daquela que nos colocaram e ainda nos colocam, mas, agora, em um lugar de beleza e amor.”
Natural de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e morador de Ipanema, Wendy teve seu primeiro contato com a fotografia ainda na infância. Achava bonita a maneira como os familiares apontavam a câmara para ele, assim como as poses que pediam para fazer. “Entendi a foto como um gesto de amor com alguém que a gente gosta. Na adolescência, ao pegar uma câmera na mão, eu só sabia usá-la para retrato. Sem elaborar, a máquina era um portal de conexão com o outro para mim”, comenta. “E a dinâmica da favela acendeu ainda mais esse sentimento. Passava horas sentado na calçada, observando. Se há pessoas, há vida; e tudo isso passou a me encantar. Ao entender que a imagem é o real e o imaginário acontecendo ao mesmo tempo, me apaixonei e fiz disso meu compromisso.”

Foto: Wendy Andrade
Entre os trabalhos mais importantes de Wendy, está a série Retrato Negro, em que foram clicadas 366 pessoas durante um ano. “Marcante não só pela ousadia de encontrar uma pessoa preta por dia, mas toda a transformação social. Foi aí que me tornei um homem preto, amadureci, ganhei projeção profissional, confiança e comecei a escrever”, comenta o fluminense, entusiasta do legado de Januário Garcia. “Ele desembarcou jovem no Rio e viveu em situação de rua, mas decidiu que a fotografia seria sua ferramenta para trazer autoestima para o povo preto. Januário honrou um povo, honrou seus ancestrais.”

Foto: Wendy Andrade
Questionado sobre como a realidade o inspira, Wendy filosofa: “Ficar diante do menino que se lança ao mar do Arpoador ou da Baía de Guanabara, na contemplação em absoluto silêncio com a câmera nas mãos, é a personificação da mais bela poesia que eu me permito viver. Todo esse impulso de vida eu transformo em fotografia”.