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A Itália é um polo histórico do saber e da alta sartoria. O ben fatto — o bem-feito — carrega tradições milenares transmitidas de geração em geração, sustentando não apenas uma parte essencial da economia italiana, que exporta para o mundo todo, mas também uma identidade nacional traduzida no conceito do Made in Italy.

No dia 18 de outubro, a Confindustria realizou um evento que reuniu grandes nomes da moda, do design, do setor náutico e da indústria alimentícia italiana e brasileira para discutir a exportação da Dolce Vita. O encontro contou com representantes da Confindustria Moda, Confindustria Accessori Moda, ANAFAO, FLA, Federalimentare e Confindustria Nautica.

Por meio de uma análise comparativa com outros mercados estrangeiros, o Centro de Estudos da Confindustria destacou as vantagens e desafios da Itália no cenário global — e como a sua força competitiva está em manter viva a tradição enquanto inova.

O Made in Italy tornou-se um verdadeiro branding global, sinônimo de qualidade, design, tradição e contemporaneidade. Entre os focos estratégicos de expansão está o mercado brasileiro — não apenas como consumidor, mas também como potência criativa.

Nos últimos dois anos, o Brasil vem se destacando como um dos países que mais crescem no setor de luxo, tanto em consumo quanto em produção nacional. Segundo dados do relatório Bello e Ben Fatto (BBF), o valor do BBF ultrapassa 122 bilhões de euros, representando uma parcela significativa das exportações italianas, abrangendo os principais setores do Made in Italy: Fashion, Food e Furniture.

Durante o encontro, empresários dos dois países destacaram a capacidade italiana de produção e exportação e o crescimento do mercado brasileiro, que vem acompanhando mudanças de gosto e comportamento do consumidor. O Mercosul já é considerado um mercado estratégico para a União Europeia e para a Itália, gerando 7,4 bilhões de euros em exportações italianas em 2024.

A Confindustria Moda é hoje a maior organização representativa da indústria têxtil e da moda do mundo ocidental, reunindo mais de 40 mil empresas e 381 mil empregados — um pilar essencial do tecido econômico e industrial italiano.

A BAZAAR conversou com Airon, da Misci, Ana, da Shop Together, e Luca, CEO da Pattern, que compartilharam suas visões sobre moda, mercado e as novas pontes criativas entre Brasil e Itália.

“Eu acho que o Brasil tem muito a aprender com a Itália. Na verdade, o que tínhamos para aprender em execução de produto, já aprendemos. O Brasil carrega uma herança italiana da alfaiataria — e se olharmos para o desempenho da nossa alfaiataria dentro da MISCI hoje, é evidente essa influência. A construção, o porte, a forma como a peça se estrutura entre a tela e a matéria-prima — tudo vem dessa escola italiana. Mas o que ainda precisamos aprender é a nos posicionar como indústria. O próprio público brasileiro, muitas vezes, não sabe o que o Brasil produz, e isso é muito triste. A MISCI conseguiu conquistar um espaço e formar uma comunidade forte, mas também teve um trabalho educativo: ensinar o cliente a entender o valor do produto.

O que o Brasil precisa é de um projeto de Estado — e não de governo —, porque não adianta mudar o governo e começar tudo do zero. Precisamos de um projeto de marca-país, de place branding, que reposicione a nossa indústria. A gente sabe que não dá para competir em preço com a China, e agora também com a Índia, que está crescendo muito e tem uma mão de obra jovem e muito requisitada pelas grandes maisons — como a Chanel, que já tem ateliês de bordado na Índia. Acho que é o momento do Brasil olhar para dentro e começar a projetar tudo o que fazemos de melhor — não só para o público interno, mas para o mundo.” comentou Airon Martin, fundador e diretor criativo da MISCI. 

“Acredito que exista uma grande oportunidade para ambos os nossos países. Uma oportunidade profundamente ligada à nossa cultura — que, no fim das contas, é muito semelhante. Compartilhamos uma língua de origem latina e uma história comum, já que, ao longo dos séculos, muitos italianos vieram trabalhar no Brasil e ajudaram a construir parte do nosso artesanato e da nossa indústria. Esse mix entre a cultura italiana e a brasileira é algo realmente único.

Se pensarmos que, nos próximos anos, as tarifas alfandegárias entre os países tendem a ser reduzidas, podemos imaginar um cenário em que muitas matérias-primas e competências brasileiras estejam à disposição das empresas italianas — e, ao mesmo tempo, surjam oportunidades extraordinárias para as empresas brasileiras na Europa.

E talvez sejamos, de certa forma, os mais inteligentes. Sabe por quê? Porque, enquanto boa parte do mundo está erguendo muros novamente, nós estamos fazendo o contrário: derrubando-os. Em um momento em que tantos países se isolam, Itália e Brasil falam sobre aproximação. E isso é um sinal de futuro.” fala de Luca Sburlati, CEO da Pattern Group, a respeito desse relacionamento entre Brasil e Itália.

“Acho que não se trata apenas de ser belo e bem feito — até porque, hoje, muitos países conseguem isso. A própria China, por exemplo, domina o mundo em diversos segmentos. O que realmente traz valor a um produto, especialmente a um produto italiano, é a ancestralidade do seu processo de criação. Esse é o verdadeiro valor.

Há séculos, esses produtos são feitos com saberes transmitidos de geração em geração, com diferenciais únicos — seja no couro, na seda ou em técnicas preservadas por pequenas famílias. Essa história que o produto carrega é o que realmente o torna valioso. É o que o diferencia quando chega ao mercado e o que cria uma comunidade em torno das marcas.” comenta Ana Isabel, diretora de marketing da ShopTogether. 

Dentro desse cenário, surgem grandes expectativas para a indústria criativa e econômica brasileira. Com o fortalecimento das relações bilaterais e o interesse crescente de investimentos externos, o Brasil se consolida como um dos mercados mais promissores da moda global — um país que não apenas consome, mas cria, inspira e exporta cultura.