
Guilherme Valente – Foto: Divulgação
Existem versões diferentes de se apresentar para sociedade em 2023, e claro, se você é uma marca de moda brasileira, o seu primeiro baile são as passarelas dos grandes eventos de moda nacional, e um dos maiores deles é a Casa de Criadores.
Um dos eventos mais diversos do circuito de moda brasileira, a Casa de Criadores é uma plataforma para novos independentes criativos mostrarem seu trabalho nas passarelas. A 52ª edição acontece entre quarta-feira (12.07) e domingo (16.07) e, como aquecimento, a Harper’s Bazaar teve a chance conversar com os estreantes sobre o sentimento de participar do evento pela primeira vez, paixões e o futuro desses designers
Guilherme Valente

Guilherme Valente – Foto: Divulgação
Guilherme Valente teve um começo curioso na moda, aos treze anos o designer já entendia que gostava de desenhar e, com o passar dos anos, começou a sentir uma ligação forte com a moda. Ao longo da faculdade, ele entendeu o poder que uma peça de roupa poderia carregar. Como a marca foi criada? Ela era um projeto a longo prazo, porém, com a apresentação do seu trabalho de conclusão de curso, o jovem estilista cativou o olhar do nosso editor de moda, o que resultou em uma matéria nas páginas da edição de dezembro de 2022.
Qual a sensação para estreia? Ele conta que está bem nervoso com seu début nas passarelas, mas feliz com a oportunidade de mostrar seu trabalho: “A sensação é de confiança, medo e ao mesmo tempo alegria, porque sei que dei o meu melhor e espero que todos vejam isso”.
A coleção de estreia é uma homenagem à sua mãe, à sua avó e, até mesmo, ao seu lado feminino. As referências são temas como maternidade e etarismo, mas a grande inspiração da coleção é o bingo. Um jogo onde são marcados e sorteados os números e o público predominante é de 50+. “Minha avó e mãe jogavam e minha mãe vivia contando como aquelas saídas as aproximaram, minha mãe perdeu o pai com 13 anos então criar uma relação estável com a mãe dela foi fundamental. As inspirações criativas se deram a partir de histórias que minha mãe me contou durante o processo de desenho do projeto”, explica o designer.
Grandes inspirações do designer estão em seu cotidiano, na vida e nas formas comuns das ruas, estabelecimentos e calçadas. Para o futuro, o jovem designer embarca para Itália no final de julho, onde ganhou uma bolsa de estudos na NABA e vai se aprofundar em figurinos, enquanto também enriquece seu repertório cultural.
Lucaz Roberto (Estúdio Cena)

Estúdio Cena – Foto: Divulgação/Diego Rodrigues
Lucaz Roberto começou na faculdade de jornalismo a se interessar por moda e chegou a cobrir algumas semanas de moda enquanto estudante, foi quando percebeu que seu interesse era mais fundo que comentar as coleções, gostaria de entender todo o processo por trás. Ele então mudou de curso para moda e passou a desenvolver um papel mais no editorial, as disciplinas o inspiraram e ensinaram uma outra forma de criar e olhar para as roupas.
“De lá pra cá, profissionalizei o Estúdio Cena, desenvolvi conhecimento em administração de empresas para pensar no público que queria atingir, nos formatos de comunicação que enxergava interessantes além de me especializar na área de moda sob medida”, explica o designer.
Para seu trabalho de conclusão de curso, apresentou sua primeira coleção intitulada Ato 1. Foi quando a equipe da artista Linn da Quebrada entrou em contato pelo Instagram, um modelo para que ela usasse em uma premiação, ele conta que o vestido foi desenvolvido somente horas antes da apresentação do trabalho de conclusão de curso e, a partir daí, a marca começou a ganhar forma no mercado nacional.
“A sensação é de realização. Já acompanho a Casa de Criadores há muitos anos e sempre entendi o espaço como uma plataforma de comunicação muito importante para novos profissionais, especialmente aqueles que se encontram com seus projetos em expansão”, o designer também ressalta a oportunidade de novos públicos a conhecerem o Estúdio Cena a partir de sua apresentação.
Uma das grandes inspirações do Estúdio Cena são grandes narrativas literárias, em sua coleção de estreia não seria diferente. Para a Casa de Criadores, a maior referência é Orlando de Virginia Woolf. “Na história, o protagonista atravessa as décadas sem envelhecer, mas faz uma descoberta sobre ter um gênero fluido e uma das formas de se explorar essa percepção é por meio da indumentária. Os 16 looks preparados refletirão a paixão e a inspiração pelo teatro”, explica o estilista.
A volumetria trabalhada em tecidos de seda, tafetá e organza serão pontos fortes da coleção, roupas com até 20 metros de tecido, com modelagem no corpo dos modelos, em contraste com as coleções anteriores da marca, que priorizava corpos nus. Esta será a primeira vez que também que conversa diversidade de gênero nas passarelas.
Fel Lara (LARA)

LARA – Foto: Divulgação/Ferrerin
Na metade do curso de cenografia em 2017, a avó de Fel Lara lhe deu seu último presente para o neto em vida, uma máquina de costura. Depois disso, começou a escrever sobre as ideias e conceitos que englobariam a marca de roupas LARA, nome em homenagem a sua avó. Em 2018, costurou seu primeiro moletom amarelo, este inspirado pela apresentação de Beyoncé no Coachella naquele ano. Uma de suas inspirações é o badalo da noite, roupas e comportamentos que percebe na noite paulistana, a potência da diversidade sempre presente na marca, por meio das cores, formatos, cabelos, acessórios, maquiagem, associadas a roupas que também ofereçam conforto.
“Além de me inspirar nos comportamentos e expressões da cultura afro urbana, me inspiro na paisagem de São Paulo com suas formas geométricas e a relação desta paisagem com as cores/formas da natureza e intervenções artísticas (grafites) que acabam se destacando em meio ao cinza da cidade, trazendo vida para este ambiente, assim como as roupas da LARA que também são expressões artísticas que transitam pela cidade por intermédio das pessoas que as vestem”, completa o estilista. O futuro da marca é continuar sendo um núcleo de criação para pessoas pretas e LGBTQIA+, com oportunidades e condições para conseguir atingir essa missão em potência máxima.
Letícia Côrtes (Volat Brand)

Volat – Foto: Divulgação
Letícia Côrtes desde os doze anos, já tinha uma inquietação de atuar na área da moda, relembra momentos de sua infância e adolescência que isso ficou claro, e neta e bisneta de costureiras e modelistas que sonharam em ser reconhecidas, seu grande sonho parte do sonho daquelas que não puderam realizar, mas pavimentaram seu caminho.
“A partir dos encontros com pessoas que me apresentaram como uma possibilidade de viver meu sonho de vivenciar a moda ainda sendo um corpo periférico, por exemplo o projeto PIM (Periferia Inventando Moda) foi o primeiro espaço que me deu a oportunidade de fazer desfiles, até a possibilidade de adentrar na Casa de Criadores”, complementa.
A marca nasceu em 2020, Letícia Côrtes, Cássio Nunes e seu parceiro Lucas Salvaro decidiram lançar a Volat com sua primeira coleção chamada DROP #011, que foi produzida de forma totalmente independente. “A Volat tem como objetivo usar a indumentária, a moda, pra dialogar sobre os anseios sociais e políticos”, complementa que para sua coleção de estreia não seria diferente. A inspiração veio de retratar diversas formas de comunhão que conectam pessoas, o bem comum que as unem para além do espiritual e religioso, mas também na cultura, na música e a estética.
A passarela se transformará em um baile funk, com pessoas juntas comungando juntas e curtindo rolê, essas relações, o cotidiano no ponto de ônibus, na fila da padaria, o dialeto, as trocas nas ruas com a vida e com o outro, a forma de uma comunidade se organizar, as histórias, os saberes e ditados populares, a roda de samba, do baile funk, os afetos, os medos e os anseios, enfim a sociedade como um todo é a principal fonte de referências da Volat.
Raphael Aquino (Jacobina)

Jacobina – Foto: Divulgação/Neilton Rodrigues
Relembrando o seu começo na moda, em sua cidade natal Barro Alto, em Goiás, com o acesso restrito a moda a única revista em toda cidade era a Caras Moda, assinatura de uma professora que emprestava os exemplares para Raphael. A mesma professora fomentou sua paixão por moda e criação, ele se mudou até a capital do estado em Goiânia e se formou na faculdade de moda. Ele realiza um sonho se apresentando pela primeira vez na Casa de Criadores, cita que se sente um adolescente com os hormônios à flor da pele.
“Essa coleção é muito afetiva para mim, a inspiração e na folia de reis uma festa religiosa, que faz parte do nosso folclore, cresci participando de vários festejos religiosos muito presentes no interior”, complementa que a coleção é uma homenagem a sua família e trajetória pessoal, seu sobrinho Pedro dá o nome à coleção.
“Quero que as pessoas vejam minhas coleções além da roupa, quero que elas vejam as reflexões na narrativa da história. Sempre busco nas artes, cultura, literatura minhas referências para criar minhas coleções”, explica o designer.
Esse seria o DNA da Jacobina, as inspirações e referências, sem esquecer de collabs com artistas que nascem a partir dessas referências da coleção em conjunto com as do artista convidado, procurando uma sintonia para a parceria.
Rafazildo e Giba Duarte (Plataforma Açu)
A Plataforma Açu, surgiu com o propósito de ser uma plataforma guarda-chuva com o foco no fazer artístico a partir do desenvolvimento têxtil, um experimento em padronagens e economia circular, com ênfase na produção local e regional e no upcycling. A participação nessa Casa de Criadores pode ser um agregador de possibilidades visuais, englobando diversas e plurais linguagens artísticas.
A grande inspiração da dupla é o final que sobrou, isso significa o descarte, excessos e retalhos que sobram de produções têxteis. A coleção apresentada através da Plataforma Açu começa pelo final, ressignificando o que é matéria prima, essa que vem de restos de rolos de tecido, materiais em desuso, doações e descarte de resíduos têxteis. O objetivo da plataforma é ser canal, acesso para os mais diversos e plurais meios de criação e desenvolvimento de qualquer meio de se comunicar visualmente.
Gledison de Souza (Soujê)

Soujê – Foto: Divulgação
Para sua coleção de estreia, a Soujê buscou inspirações em diferentes elementos suas criações refletem as quatro vertentes do movimento Street na Bahia, uma estética que representa a essência baiana em conjunto com a cultura do hip hop. As coleções que serão apresentadas no desfile são: Meu Axé, Cria, 4:20, Nego Neon x Ancestrais. Nas quais, Meu Axé retrataria a ancestralidade, enquanto Cria é uma celebração da juventude e da beleza. 4:20 aborda a temática da perda e superação, e Nego Neon x Ancestrais mergulha no universo do afrofuturismo.
“Muito feliz em fazer parte, minha primeira experiência nas passarelas da Casa de Criadores, um importante evento do cenário da moda nacional. ́sinto que a Bahia tem cor formas e cores e tem história, quero trazer esse futuro lindo que estou criando com a minha estética, preta baiana e periférica”, completa o designer.
As peças são feitas, majoritariamente, de tecidos brutos brincando com arquitetura das peças, inclui também tecidos recicláveis, e apresentam cores vibrantes e ajustáveis para se adequarem perfeitamente a cada corpo. Elas trazem elementos únicos, como materiais brutos, aviamentos do cotidiano, materiais de construção e acessórios como correntes, búzios e miçangas peroladas.
Sherida Livas (Sherida)

SHERIDA – Foto: Divulgação/Gabriel Pacífico
Com uma forte influência dos pais durante a infância e adolescência, Sherida Livas, que na época os acompanhava em seu trabalho em uma pequena estamparia inicialmente nos fundos de casa, e ali se apaixonou pelo movimento frenético do “chão de fábrica”. A etiqueta SHERIDA nasceu com o desejo de produzir algo alinhado a visão de moda da estilista, feita para usar no seu tempo e lugar no mundo.
“Vi a necessidade de desenvolver algo que me identificasse e que também fosse criado por uma mulher”, a marca começou em maio de 2022 e fez sua estreia no mesmo ano na semana de moda do DFB Festival, em Fortaleza, Ceará. Antes disso, a SHERIDA era uma ideia experimental, que tinha o propósito de criar sob demanda, e estudar técnicas artesanais regionais.
“Alguns meses atrás eu abri um biscoito da sorte e tinha uma frase que me trouxe várias reflexões. “A mente é como um pára-quedas, só funciona aberta”. Fiz alguns questionamentos diante dessa frase e sobre o quanto nos conhecemos. Nossos sentimentos e mundos que construímos internamente que transbordam para o externo”, ela explica sua coleção de estreia que faz referências a estudos da mente humana, mergulhos internos, alguns símbolos que representam a origem da vida, de maneira poética e psicodélica.
Suas referências do trabalho em geral são variadas, entre pessoas, lugares e músicas, em pequenos recortes do seu dia a dia: “Acredito na importância de criar conectada com o agora. Gosto de pensar que faço roupas para vestir pessoas que amam seu lado livre e sexy, mas não dispensam uma silhueta confortável”.
Suas criações levam em consideração sua trajetória na estamparia, em artesanatos regionais e uma expressão leve e bem-humorada, sua grande paixão com a marca é pensar que através das roupas podemos nos conectar com o mundo de diversas formas.