
Koia Brand-
Casa de Criadores 57-
Foto: Marcelo Soubhia/ @agfotosite
O quarto dia da 57ª Casa de Criadores mostrou o motivo do evento seguir como o grande laboratório de linguagem da moda brasileira: um espaço em que afetos, ancestralidades, tecnologias e gestos de futuro convivem no mesmo território criativo.
Entre homenagens íntimas, rituais e deslocamentos culturais, sete marcas atravessaram o Brasil profundo, com experimentações digitais, memórias negras, humor, espiritualidade e festa.
A NALIMO abriu a noite com uma ode ancestral à avó da designer; Berimbau Brasil trouxe o Bori como gesto de cura; Marisa Moura reforçou a moda como guardiã de memórias afetivas; Sillas Filgueira transformou traumas em brilho; KOIA levou a alfaiataria ao limite do deboche sensual; Fkawallys importou o “Rock Doido” do Pará; e Fabia Bercsek fechou a noite em uma viagem pela lógica computacional dos anos 80. Veja todos os detalhes!
NALIMO
A NALIMO apresentou “Céu de Nana”, uma coleção que nasce da memória viva da avó materna de Day Molina. O desfile fala sobre a presença que continua guiando a marca: um céu ancestral que não está acima, mas dentro.
A alfaiataria afetiva se mistura à artesania aprendida com Nana. Texturas ricas, fitilhos, bordados, miçangas, tecelagens e referências a candomblé, jurema e toré, condensando sincretismos e energias do chão brasileiro. Cada camada funciona como portal, cada peça como mensagem do Orúm. “Céu de Nana” não é sobre saudade, e sim sobre permanência, luz e axé. A continuidade de um amor que segue costurando o mundo.
BERIMBAU
A Berimbau Brasil levou à passarela a Coleção Bori, inspirada no ritual ancestral que, nas tradições de matriz africana, celebra a nutrição espiritual do corpo e da alma. No desfile, esse gesto de cura e fortalecimento se traduz em cores, estampas e texturas que evocam acolhimento, luz e proteção.
A coleção também se expande por meio de colaborações: Da Costa Colares, de Ednaldo da Costa, traz a manualidade herdada de Mestre Moa do Katendê; Chinua contribui com joias e acessórios em cerâmica que reafirmam ancestralidade; Crochê Aleatório, de Ana Aleatória, incorpora a estética da rua e da memória periférica em peças de forte identidade; Lunettes by Lari adiciona óculos marcados por propósito e representatividade; e a Afropé Chinelos reforça a potência da cultura afro-brasileira.
MARISA MOURA
Em sua segunda participação na Casa de Criadores, Marisa Moura apresentou “Memórias Afetivas”, uma coleção ancorada na ideia de que o conhecimento ancestral é sempre coletivo: transmitido de geração em geração, sustentado pelo afeto e pela força das narrativas que mantêm viva a memória negra como farol para o futuro.
Desenvolvida por pessoas pretas e dedicada a quem valoriza a moda artesanal brasileira, a coleção se materializa em peças de caimento amplo e volumoso, cuidadosamente pensadas para mulheres e para as histórias que carregam. Manualidades assumem protagonismo e dialogam com saberes compartilhados ao longo do tempo, enquanto a paleta em creme, bege e ocre — em algodão cru, juta e barbante — traduz uma elegância simples, ancestral e profundamente conectada aos códigos da marca.
O uso de retalhos descartados pela indústria reforça o compromisso da designer com a sustentabilidade e com a criação de novas narrativas a partir dos excessos. Criada por uma mulher experiente, a Marisa Moura responde à persistente invisibilização de mulheres mais velhas na moda com peças que acolhem corpo, desejo e trajetória, reafirmando o artesanato cultural como linguagem e lugar de pertencimento para pessoas negras.
SILLAS FILGUEIRA
“Monstro”, nova coleção de Sillas Filgueira, nasce como um gesto de libertação. Uma tentativa de transformar medos, abusos profissionais e traumas de infância em matéria criativa. Casacos trazem pequenos monstros de pelúcia que simbolizam esse passado e funcionam como amuletos de exposição e cura. Eles aparecem em contraste direto com o glamour, o brilho e os volumes exuberantes que já definem a identidade da marca, criando um jogo entre vulnerabilidade e potência.
KOIA
Um ano após seu retorno à Casa de Criadores, a Koia apresentou Hot Couture, coleção que aprofunda a pesquisa da marca sobre o encontro entre alfaiataria clássica e moda festa. Se na temporada anterior a tensão entre estrutura e sedução já se insinuava, agora ela ganha corpo em uma proposta mais madura e assertiva, que brinca com os códigos da haute couture. A marca se apropria de silhuetas e técnicas tradicionais, mas as desloca para um território livre, irreverente e abertamente sensual: volumes exuberantes, recortes que revelam pele e uma modelagem precisa que flerta com o humor.
A coleção se apoia em formas geométricas marcadas — mangas e ancas arredondadas, colunas rígidas que se traduzem em vestidos e saias alongadas — criando uma arquitetura do corpo tensionada pela escolha dos materiais. Lã, pelúcia, veludo, acetinados e brilhos compõem um repertório tátil que mistura sofisticação, exagero e sensualidade. A silhueta de “dunas”, destaque da última temporada, retorna em novas bases e texturas, consolidando-se como código identitário da marca.
FKAWALLYS
A Fkawallys levou à passarela a vibração intensa do “Rock Doido”, expressão cultural paraense que mistura tecnobrega, funk, carimbó e eletrônica em festas marcadas por luz, movimento e identidade. Para esta temporada, a marca transportou essa energia para São Paulo em parceria com Rege Starlight, traduzindo o universo das aparelhagens em moda: cores pulsantes, atitude irreverente e uma estética que celebra tecnologia popular e orgulho regional.
FÁBIA BERCSEK
Em “Amiga 25/26”, coleção apresentada na 57ª Casa de Criadores, Fábia Bercsek articula moda, arte e tecnologia a partir da linguagem computacional como eixo conceitual. O ponto de partida é o computador Amiga, da Commodore — marco dos anos 1980 cuja arquitetura multitarefa transformou processos gráficos e sonoros da época, e aqui funciona como metáfora para pensar como códigos mínimos se convertem em imagem, afeto e significado.
Na passarela, cada peça atua como superfície tradutora entre estímulo e experiência, em sintonia com princípios de UI/UX. Sobreposições, texturas híbridas, simultaneidade e o rosa simbólico aparecem reorganizados pela lógica de camadas e sistemas dinâmicos inspirados pelo Amiga. Dentro dessa atmosfera neo-oitentista, as camisetas e peças estampadas com imagens de Madonna reforçam o mergulho na era de ouro dos anos 80, evocando a estética pop, o espírito DIY e o imaginário visual que moldou tanto a cultura digital nascente quanto a moda da década.
A coleção acontece como ambiente operacional em constante atualização: um sistema aberto onde dados, algoritmos e sensações coexistem e se reorganizam em tempo real.






















































