Frida Kahlo – Foto: Hulton Archive / Freelancer

Neste domingo (06/07), Frida Kahlo completaria 118 anos. A artista mexicana, que é considerada uma das mulheres mais transgressoras da história, segue ocupando lugar central quando pensamos em artes, discussões sobre os papéis de gênero e empoderamento feminino.

Filha de pai alemão e mãe mestiça mexicana, a artista surrealista — embora a própria Frida rejeitasse o rótulo — viveu e produziu durante um período turbulento do México pós-revolucionário, profundamente marcado pela busca de afirmação de uma identidade nacional. Suas obras sugerem essa busca identitária por meio de cores vibrantes, simbolismo indígena e imaginação onírica.

A artista costumava ressaltar que não pintava sonhos e, sim, sua própria realidade. Mas esse berço de essência não se resumia apenas às telas: ela construiu uma imagem icônica, que tornou simbiótica a sua arte. Vestidos tehuana, rebozos coloridos, tranças coroadas de flores, jóias artesanais, sobrancelhas espessas, olhar direto.

Através de releituras do traje nativo do matriarcado mexicano ou até mesmo de peças que desafiavam as designações de gênero, Frida usava sua expressão para afirmar suas raízes indígenas e ressaltar a complexidade e a beleza da cultura popular mexicana. Tal afirmação tornou-se transgressora e política ao romper os padrões de beleza eurocentrados.

Frida Kahlo exportou a ideia da latinidade e de sua ancestralidade através do globo. Após mais de 70 anos desde o seu falecimento, a artista segue sendo uma figura ativa na cultura mundial. Essa representação rompe os padrões, ainda eurocêntricos, dentro da indústria da moda. Dentro desse universo, essa estética não foi apenas integrada como visual “exótico”; a artista foi estudada como um manifesto visual complexo, que fala de identidade, dor, feminilidade, nacionalismo e resistência.

Diversos criativos e maisons ao redor do mundo já trouxeram essa referência estética marcante para suas coleções e editoriais. Um bom exemplo desse “jeitinho latino à la Frida” bem representado é o desfile de Primavera 1998 de Jean Paul Gaultier. O criativo apresentou uma coleção que não apenas relembrava elementos de sua iconografia e estilo pessoal, mas ressaltava suas obras, em especial a pintura “A Coluna Partida”, de 1944.

Jean Paul Gaultier ‘Ready to Wear’ Primavera/Verão 1998 – Foto: Victor VIRGILE/Gamma-Rapho via Getty Images

Em 2023, Maria Grazia Chiuri trouxe Frida de volta à vida em sua coleção cruise para a Dior. A grife apresentou uma estação florida pelos olhos da pintora. As vestimentas tradicionais mexicanas foram ressignificadas através da intersecção entre o espírito masculino-feminino, criando, ao mesmo tempo, fascínio e debate sobre a exotização acima da latinidade.. Outro ponto forte dessa coleção fica por conta da valorização do trabalho artesanal de bordados e rendas tipicamente mexicanas. 

Dior Cruise 2024 – Foto: Giovanni Giannoni/WWD via Getty Images

A Givenchy de Riccardo Tisci, para sua coleção de Alta-Costura em 2010, homenageou a artista saindo completamente do óbvio. Tisci optou por elementos mais fúnebres e influência do gótico, através de véus pretos, rendas e coroas de flores para evocar o lado sombrio tanto da obra quanto da vida de Kahlo; além de trazer texturas inspiradas em nervuras encontradas em sua obra. Para criar essa coleção, os elementos religião, anatomia e sensualidade foram decisivos para seu desenvolvimento.

Givenchy 2010 Fall Couture – Foto: Stephane Feugere / WWD

No Brasil, Frida Kahlo recebe um importante papel de destaque, sendo ‘musa inspiradora’ para a criação de coleções para marcas como PatBo em 2014, Ronaldo Fraga em 2009 e Cavalera em 2012.
Outras diversas marcas contemporâneas de várias partes do globo continuam a revisitar o universo Kahlo em coleções — como Naeem Khan e Alberta Ferretti — utilizando diversos elementos diretamente ligados ao estilo e à estética da pintora, como em releituras modernas e igualmente identitárias.

Peças como corsets rígidos, remetendo aos coletes ortopédicos que Frida usava após seu acidente em 1925, com bordados florais e construções surrealistas e elementos da moda matriarcal latina, nesse contexto, não se resumem apenas à beleza, mas tornam-se um mecanismo para falar de sofrimento, corporeidade, resiliência e beleza imperfeita.

Alberta Ferretti Primavera/Verão 2014 – Foto: Antonio de Moraes Barros Filho/WireImage

Em tempos recentes, a imagem de Frida também foi amplamente explorada pelo fast fashion — muitas vezes de forma criticada por simplificar ou esvaziar o simbolismo original em estampas banais de camisetas. Para críticos e artistas latino-americanos, esse fenômeno serve de alerta: a força revolucionária de Frida não está apenas em seu rosto ou nas flores em seu cabelo, mas no poder de contar uma história genuinamente sua, com raízes profundas e política.

Em tempos em que dançamos e cantamos a riqueza latina nas músicas de Bad Bunny no mesmo período que vemos a importância da latinidade sendo desprezada, é vital reconhecer que a influência de Frida Kahlo na moda não é apenas estética. É uma narrativa de resistência. 

A artista, mesmo após tantos anos de seu falecimento, segue sendo um lembrete ativo de como a moda coexiste ao comportamento social e que roupas podem ser bandeiras de identidade e resistência cultural. Ornamentos, composições e mesclagem de cores e texturas podem falar de dor, orgulho e pertencimento. Que sorte a nossa!