por Cibele Maciet, de Paris
Ela chega ao terraço de um café no Marais chamando a atenção, não por estar em uma cadeira de rodas, mas pela sua beleza impressionante, reminiscente de atrizes hollywoodianas dos anos 1940. Muitos se viram para admirar Zucki, nome pelo qual é conhecida a modelo e ativista mexicana Andrea Zuckermann, de 27 anos. Com longos cabelos ruivos, pele de porcelana e olhos verdes marcantes, ela é uma figura que não passa despercebida.
Entretanto, quando começa a falar, essa pequena mulher de 1,56m se revela uma pessoa de opiniões fortes, especialmente sobre moda, preconceito e a falta de acessibilidade nos diversos países por onde já passou. “Tenho 27 anos, não sou velha, mas já vivi muitas vidas”, começa. Esportista nata, Zucki passou grande parte da vida praticando ginástica, tênis e vôlei. “Hoje percebo que fazia tudo isso para me manter magra. Dos 18 aos 22, só queria me divertir, sair com amigos e fazer coisas bobas”, admite.
Leia a entrevista na íntegra.
BAZAAR: O acidente que te deixou paraplégica aconteceu em 2020. Em que fase da vida você estava?
Zucki: Estava no quarto ano de faculdade de Design Gráfico e tirei um ano sabático logo em seguida. Quando voltei, não sabia mais o que queria fazer. Queria algo que me trouxesse felicidade e me aproximasse da moda, que sempre amei. O acidente me fez ver a vida sob outra perspectiva. Além disso, eu bebia muito, pois no México há uma forte cultura em torno do álcool. Decidi parar de beber há dois anos. Isso me fez perceber com quem realmente me sinto confortável. Parar de beber pode deixar a vida mais chata, mas quem não é chato?
BAZAAR: E como começou sua carreira de modelo?
Zucki: Depois do acidente, comecei a assistir filmes e tudo o que envolvia personagens com deficiência. Também comecei a procurá-las no Instagram. E encontrei muitas, mas todas se vestiam mal. E isso falando de homens, mulheres, sem gênero… Foi aí que comecei a postar meus looks porque queria que as pessoas tivessem alguma esperança ou pudessem se inspirar em mim de uma certa forma. Acho que essa é uma mensagem muito importante para todos com deficiência. Minha ideia era juntar todas as coisas que amava para fazer algo significativo. A partir daí fiz algumas fotos com um amigo, só por diversão, e ele me disse que eu poderia ser modelo. Um ano depois, liguei para ele e disse: ‘Acho que quero tentar.’ E assim comecei.
BAZAAR: E como ela evoluiu com o passar do tempo ?
Zucki: A questão é que no começo ninguém queria me contratar. Todos tinham medo de mim. Depois de alguns meses, paguei alguns fotógrafos, fiz um workshop com a Coco Rocha e contratei uma assessora de imprensa. Acabei fazendo minha primeira capa de revista seis meses depois. Mas o interessante é que senti que não merecia aquela capa, afinal, estava no mercado há tão pouco tempo. Comecei a me questionar se era uma questão de cor de pele e nível social, porque venho de uma classe privilegiada. Conheço muitas pessoas que estão tentando ser modelos, mas nunca tiveram a oportunidade que tive. Espero que as portas não se abram apenas para mim, mas para pessoas de diferentes grupos que não têm a mesma sorte que eu.
BAZAAR: Hoje você é uma ativista, mesmo que silenciosa, nas questões de acessibilidade. Como você vê o trabalho que desenvolveu?
Zucki: Já tive momentos em que senti que estava mudando as coisas, mas é frustrante ver que ainda há muitos obstáculos, especialmente em termos de acessibilidade. Sinto que não tenho poder suficiente para fazer o que gostaria de fazer. Por exemplo, as ruas. No México, as calçadas são terríveis, em Paris, são terríveis…. Nós merecemos que todo café seja acessível. Merecemos poder nos locomover pelas ruas sem precisar de ajuda de alguém. E não é sobre merecer, é sobre direitos. São direitos básicos. Vindo de uma infância privilegiada, isso me deixa revoltada.
BAZAAR: E na moda, você vê mudanças e mais abertura às pessoas com deficiência?
Zucki : No início, achava que apenas minha presença era suficiente para impactar as marcas e o mundo da moda. Agora, percebo que as mudanças são lentas, e às vezes é frustrante quando você não tem o poder de fazer as coisas acontecerem. Sei que não há muitas pessoas com deficiência no espaço da moda, mas me irrita que, com todo o dinheiro do mundo, as marcas de luxo não estão preparadas para receber pessoas com deficiência em seus desfiles e re-sees… E se alguém quebra a perna um dia antes do desfile? Eles ainda teriam dificuldades com isso… Mas, mesmo assim, senti que as marcas europeias abriram mais os braços para mim do que de marcas mexicanas. Acho que no México muita coisa está acontecendo, mas de uma maneira diferente e lenta.
BAZAAR: Qual mensagem você gostaria de deixar às pessoas que enfrentam os mesmos desafios que você?
Zucki: A que estamos no nosso direito de estar com raiva o tempo todo. E não por ter uma deficiência, mas por causa dos espaços ou da nossa falta de direitos. Só não se enterre nessa tristeza. Apenas a sinta e a deixe ir. E se não conseguir que ela vá embora, então procure ajuda.