por Luigi Torre
Retiros espirituais em Alto Paraíso (GO), imersões e meditações artísticas em Santa Fé, no Novo México (EUA), sessões de terapia com ayahuasca, festas alucinógenas movidas a LSD e horas intermináveis de realidade aumentada ou virtual em experiências 360º. Independentemente da escolha, a mensagem é clara: nunca desejamos tanto escapar do nosso mundo. Fuga ou tentativa de entendê-lo melhor, pouco importa. A transcendência é, sem dúvida, o caminho da vez. Dizem até que estamos vivendo a nova era do arco-íris.
Relatório recente do governo britânico indica que o consumo de ácido mais que duplicou nos últimos dois anos. E não por motivos puramente recreativos. Pesquisas científicas apontam efeitos benéficos de algumas drogas psicodélicas, como LSD, cogumelos e ketamina, no tratamento de depressão, alcoolismo e estresse pós-traumático. No Vale do Silício (EUA), profissionais do mundo da tecnologia estão tomando microdoses de LSD para aumentar a produtividade e a criatividade. Os efeitos, dizem os adeptos, são incríveis.
Mas essa renascença psicodélica não é restrita aos laboratórios e já começa a ecoar por outras searas culturais, e no estilo de vida e em hábitos de consumo de toda uma geração. Ou você ainda não percebeu a invasão de cores saturadas nos GIFs de nossas timelines, nos filmes e videoclipes com imagens surreais, nas obras de arte que cada vez mais estimulam os cinco sentidos e na explosão de estampas psicodélicas-digitais de algumas das coleções que acabam de chegar às lojas?
Os prints do inverno 2016 da Prada são um bom começo, um princípio de viagem. Cores ainda não tão intensas e vibrantes, mas cenários já um tanto fantasiosos, de céus estrelados e imagens desconexas justapostas como numa sobreposição de dimensões paralelas. Para as mais avançadas, já num estado alterado e elevado de espírito, a novata e já queridinha carioca The Paradise, de Thomas Azulay e Patrick Doering, tem a dose certa de psicodelia tropical na combinação da fauna e flora nacionais e seres míticos, como fadas e unicórnios.
Na beleza não é diferente: a Urban Decay apresentou, recentemente, coleção de maquiagem inspirada no livro Alice Através do Espelho. São 20 tonalidades intensas, em estojos em forma de borboleta e disposição caleidoscópica das cores. Já a M.A.C, para o inverno 2016, está focada na ideia de polaridades: forte/suave, escuro/claro, sintético/natural. O resultado pode te levar de uma aparência simples a uma de outro mundo.
Contudo, não se trata apenas de imagens e produtos. Na verdade, se trata cada vez menos disso. Experiência é nova palavra de ordem – e que tem tudo a ver com o atual movimento transcendental. Consumidores não querem apenas ter, querem sentir. Atingimos um ponto de saturação visual e comercial, em que somos atraídos para qualquer coisa que distorça nossas mentes e nos envie para universos paralelos – de preferência, a quilômetros de distância da realidade com a qual já nos acostumamos e nos entediamos. Vem um pouco daí o sucesso de experiências imersivas, nas quais somos forçados a participar e interagir fisicamente.
A House of Eternal Return, por exemplo, obra de Meow Wolf, em Santa Fé, faz com que os visitantes tenham de engatinhar, andar e escalar por vários cômodos de uma casa vitoriana em decomposição e perdida no tempo. O resultado é uma viagem interminável por ambientes em constante mutação. Em Berlim, o spa Liquidrom é uma instalação que promove shows, festas e até leituras de poemas debaixo d’água, o que faz com que o som seja absorvido também por vibrações corporais e não só auditivas. Enquanto na Universidade de Warwick, na Inglaterra, o chef Charles Michel oferece jantares psicodélicos só com combinações de alimentos e produtos legalizados, mas que, quando juntos, podem provocar reações parecidas com as obtidas por meio de substâncias ilícitas. É que, em tempos escapistas, distorcer a realidade é um objetivo crucial para que o mundo se pareça mais possível