
Na última Casa de Criadores, a estilista Jal Vieira transformou rupturas afetivas em uma das coleções mais elogiadas do evento. Usando branco para abordar o início de uma relação, vermelho simbolizando turbulência, e preto para falar do fim, e também da cura, a paulistana, de 31 anos, chegou a peças amplas, com franjas feitas de cadarços e contrastes entre transparência e densidade, em uma fina metáfora sobre sinceridade.
Na passarela, a ebulição de sentimentos se fez sentir nas performances intensas das bailarinas e da própria Jal cantando a trilha. Oito meses depois, ela finaliza a coleção que apresentará, em breve, na próxima edição do evento. Fortalecida e tranquila, a estilista conta que está se reerguendo.

Um ponto em comum conecta ontem e hoje. Se, em dezembro, por coincidência, sua turbulência era a mesma vivida por outras pessoas da equipe, agora a ideia de conjunto volta à cena com a participação de cinco poetas negras falando de suas urgências e de como elas afetam suas vidas.
Ao colocar a proposta em andamento, a estilista diz que começou a perceber como as trajetórias e individualidades, delas e a sua, se cruzavam. “Estávamos, todas, falando da solidão e da vivência da mulher preta”. É assim que ela divide o protagonismo da nova coleção com Ryane Leão, Luz Ribeiro, Poeta Valentine, Gênesis Poeta e Carol Dall Farra.

Os poemas conduzem o processo criativo da coleção e também pequenos filmes de moda, com narrativa das convidadas e linguagem documental. Com o distanciamento social, Jal abraçou todas as etapas da coleção desde a produção – com upcycling de roupas próprias e usando tecidos e aviamentos que já tinha em casa. O resultado aparece em cores sóbrias, texturas inspiradas em páginas de livros e formas amplas. “Como estou ficando em casa, isso acabou influenciando na modelagem”, descreve.
Por fim, é dela também o papel de modelo. “É um processo solitário, mas é o que estou vivendo agora”, diz a designer, que fez essa opção para evitar colocar a si mesma ou outra pessoa em risco. Além dos vídeos, criou ilustrações das cinco poetas. “Desde pequena gostei de desenhar”, diz ela, que descobriu cedo o gosto pela moda reproduzindo looks de um desfile que viu na tevê com a mãe.

Mais tarde, cursou Design de Moda na Belas Artes, mas sempre teve um olhar crítico. No ano passado, foi convidada por André Hidalgo (idealizador da Casa de Criadores) para integrar o evento. “Vi que era uma chance de fazer as pazes com a moda e colaborar para humanizar processos que me incomodam”, diz.
Também faz parte do seu momento atual o mergulho em sua ancestralidade. “Por não ser retinta e sempre ter estado cercada por pessoas brancas, demorei em me perceber como preta”, analisa. A percepção veio de maneira humilhante e dolorosa. “Uma vez fui perseguida em uma loja pelo segurança, que quis olhar minha bolsa. Comecei a perceber que essa desconfiança acontecia com frequência. Agora, me mantenho distante das prateleiras e evito abrir a bolsa”, relata. “É uma condição que o racismo impõe”.

No recente debate sobre o caráter racial e a indústria da moda, Jal e nomes como Weider Silvério, Théo Alexandre, Rafael Silvério, Fábio Costa, Gui Amorim, Diego Gama, Hisan Silva e Pedro Batalha criaram o coletivo de estilistas Célula Preta, ambiente de debates independentes para propor ações, como campanhas. Juntos, de fato, tudo fica mais forte.