
Marcas brasileiras mostram como manualidades, trabalho autoral e responsabilidade social redesenham o luxo feito no Brasil. Foto: Reprodução
Falar de marcas de luxo é simples. O difícil é enxergar que o verdadeiro artigo de desejo está nas mãos que constroem cada peça. Em vez de depender só de etiqueta, desfiles e vitrine, uma parte da moda brasileira começa a associar luxo à ideia de impacto social concreto. Cadeia produtiva, quem ganha com ela, quem aparece na história. Tudo entra na conta.
Dentro do sistema prisional, por exemplo, o crochê vira ferramenta de futuro. No Ponto Firme, marca de Gustavo Silvestre, pessoas privadas de liberdade aprendem técnicas manuais, recebem formação profissional, têm direito à remissão de pena e ainda criam peças autorais a partir de fios e sobras têxteis. De quebra, parte das peças desfilam não só na SPFW, como também na semana de moda de Paris. Não é só sobre aprender um ofício. É sobre construir renda, autoestima e repertório criativo em um lugar em que a sociedade costuma enxergar só punição.
Fora dos muros, o trabalho manual circula por outros territórios. A Nannacay organiza sua produção a partir de artesãos espalhados pela América Latina. Bolsas, chapéus e acessórios em palha nascem em comunidades que vivem do fazer à mão e vendem essas peças para a marca, em arranjos pensados para garantir renda mais estável. A etiqueta que chega às capitais carrega também a história de famílias que dependem desse trabalho.
Na Amazônia e no Nordeste, o artesanato deixa de ser lembrança exótica para turista e passa a ocupar a passarela como projeto de moda. Maurício Duarte parte de sua origem indígena para desenvolver roupas e acessórios que usam trançados, cestarias e fibras amazônicas. Muitas peças são confeccionadas em parceria com comunidades e mulheres indígenas, que recebem encomendas diretas e visibilidade. O resultado é uma criação que afirma território, língua e corpo, ao mesmo tempo em que disputa espaço no circuito de luxo.
Em Fortaleza, Marina Bitu costura outra camada nesse mapa. Suas coleções aproximam rendas, bordados, crochês e tramas de artesãos nordestinos de uma linguagem contemporânea de moda autoral. Em algumas etapas, alunos do Senac entram no processo, conectando ensino técnico, pesquisa de território e prática de ateliê. O luxo, aqui, aparece no tempo da peça, no vínculo com quem produz e na permanência de ofícios que poderiam ter sido apagados.
Em São Paulo, o impacto social se mistura com a experimentação de forma. No ateliê de Elias Kalleb, moulage, drapeados e acabamentos são feitos à mão diretamente no corpo. Sobras de tecido ganham nova vida em superfícies costuradas, recosturadas, quase esculpidas. Esses volumes vestem majoritariamente corpos negros e dissidentes, em propostas amplas e sem gênero rígido. O gesto manual não serve só para mostrar domínio técnico. Ele abre espaço para outros corpos dentro de um vocabulário histórico de luxo.
É o desenho de um luxo que se organiza em torno de manualidades, autoria e impacto social. Um luxo que se pergunta quem ganha com cada venda, quem foi treinado, quem teve renda garantida, que saber manual foi mantido vivo. Nessa conta, o brilho não está só na vitrine, está nas mãos que assinam cada ponto.






