Airon Martin desfila “A Dama do Interior”, coleção de Inverno 2026. Foto: Ze Takahashi

Quando Airon Martin lançou a MISCI como sua marca de moda e mobiliário, ele não poderia imaginar que ela viraria um universo próprio, sempre em transe. O capítulo mais recente dessa transformação aconteceu em 26/11, no Cine Marabá, o último cinema vivo no centro de São Paulo, quando ele apresentou não apenas uma coleção, mas também sua estreia no cinema como diretor criativo e ator. “A Dama do Interior”, nome que batiza tanto o filme quanto a coleção de Inverno 2026, parte do Cinema Novo e traça uma linha que vai de “Barravento” a “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, clássicos de Glauber Rocha que já norteiam o estilista desde “Valor Latino”, coleção desfilada em 2023.

O filme foi rodado em 19 locações na Bahia, entre Salvador, Recôncavo e Sertão, com luz natural, planos estáticos e câmera na mão, nesse balanço entre documento e cena. Isso aparece nas roupas. A coleção encosta o artesanal no industrial e o regional no global, sem perder a mão do ateliê. Na colaboração com Isay Weinfeld, peças nascem de retalhos desfiados e reconstruídos, ganham variações de cor e capas de organza que jogam com revelar e ocultar. Um sobretudo em algodão brasileiro vira peça-âncora do show.

No fazer manual, o bordado filé surge em cinco peças com o Instituto do Bordado Filé de Alagoas, liderado por Petrúcia Lopes, mexendo em escala e paleta. O crochê aparece em duas frentes, algodão encerado em degradê e crochê de couro em calças, sungas, biquínis, acessórios e sapatos. As estampas de Isabel Moura puxam a estética de filmes antigos, com cara de lost media. Nos acessórios, bolsas de couro plissado evoluem a partir da “jaqueta Irré”, com chaveiros, porta-moedas e abridores de garrafa feitos de couro, metal e tecidos reaproveitados, e até um Labubu para chamar de seu.

Roxo, verde e laranja entram em detalhes, estampas e pequenos pontos de luz, em contraste direto com o inverno anterior. No toque têxtil, fios com textura artesanal em escala industrial e jacquards exclusivos conversam com o brim Pamplona, que dá estrutura sem endurecer. E quando Ceyla Lacerda cruza a passarela, a noite confirma a ideia: aqui, roupa não é pós-crédito. É parte do roteiro.