
Desfile de Neriage – Foto: Zé Takahashi
E se uma roupa tivesse uma biografia tão complexa quanto a nossa? Em Autobiografia, 12ª coleção da Neriage, Rafaella Caniello parte dessa pergunta e encontra no livro Autobiografia do Vermelho, de Anne Carson, o fio condutor. Na obra, Hércules e Gerião se apaixonam — mesmo com o destino já escrito para acabar. No lugar de um final literal, a cor vermelha atravessa a história como intensidade, afeto e memória. No desfile, essa cor não é só estética, mas também é linguagem. Cada tom, cada transição, cada textura narra algo: “Gosto de deixar interpretações em aberto, pois um bom desfile provoca reflexões, como uma exposição de arte”, diz Rafaella. A passarela se torna uma sequência de capítulos, onde ordem e desfecho pouco importam.
O vermelho também é metáfora para o tempo — o da vida e o das roupas. Uma peça nasce, ganha brilho, se desgasta, recebe remendos. Sobrevive, às vezes, como relíquia; outras, desaparece rápido. “A biografia de um ser humano se assemelha à de um objeto”, explica. É nessa zona de encontro entre matéria e experiência que a coleção se constrói. A artista Regina Parra, com quem conversamos aqui sobre a collab neste desfile, soma-se ao processo, trazendo outra camada de leitura. É um retrato em andamento, onde moda e arte se cruzam para pensar o valor do que vestimos — e do que vivemos.