
Coleção “Poesia” – Foto: Divulgação
A Bazaar teve o prazer de explorar o fascinante universo de Lisyane Arize, ou Lizzi, como é carinhosamente conhecida. A designer de moda cria peças com encantos, carinho e dedicação, resultando em uma produção autoral e repleta de significados.
Natural de Mirangaba, na Bahia, Lisyane começou sua trajetória na moda aos 17 anos, ao se mudar para Salvador. Após passar pelo Rio de Janeiro e se especializar em Estilismo, sua jornada a levou a São Luís do Maranhão, onde coordenou o Núcleo de Design do SENAI. Em busca de novas referências, Lisyane se aventurou na França em 2012, onde atuou como pesquisadora de tendências.
Em 2013, fundou a LIZZI, sua marca de demi-couture, em Bordeaux. A etiqueta reflete a fusão de suas raízes nordestinas com a sofisticação francesa, resultando em criações exclusivas que desafiam as normas da moda comercial. Com forte ênfase no slow fashion, Lisyane valoriza processos artesanais e materiais naturais, traduzindo em cada peça a beleza da autenticidade e da cultura que a cercam.
Pedro Buzzatto – Como você define o estilo e a identidade da sua marca?
Lisyane Arize – Atemporal… quando criamos, pensamos em uma roupa que atravesse o tempo, que possa ser vestida pela mãe, pela avó, pela neta ou pela bisneta. O foco está em uma peça bem construída, com detalhes que a tire do excessivamente básico, sem ser extravagante. É uma roupa que pode ser excêntrica, mas não extravagante, o que não é a mesma coisa.
PB – De que maneira a natureza influencia suas coleções e designs?
LA – Eu não diria que a natureza unicamente influencia o design das coleções. Diria que o cotidiano e o que passa diante do meu olhar, absorvido pela delicadeza, nos influencia. Seja a natureza, a cultura popular ou a poesia, o que molda o design das criações é a sutileza do que captamos no cotidiano. Muitas vezes, pela proximidade, perdemos a sensibilidade para enxergar essa beleza.
PB – Quais são os principais desafios e benefícios de trabalhar com produção artesanal?
LA – O principal desafio, sobretudo no Brasil, é fazer o cliente final enxergar que o artesanal — que eu chamaria de feito com exclusividade — possui, em sua essência, o valor central que, na França, por exemplo, seria um dos pilares da “Haute Couture”. O benefício está em imprimir no artesanal, ou no conceito de criação exclusiva, um “DNA” único, seja da marca ou da coleção.
PB – Como você vê a relação entre moda e sustentabilidade na sua prática?
LA – Para que a sustentabilidade exista na prática, é necessário um novo modelo econômico, onde o maior valor seja coletivo. O ganho ou reconhecimento não é individual. Seria como dizer que a coleção “A Cidade Perversa” não existiria sem o Bumba-meu-boi, ou que a coleção “Persona” não teria surgido sem as poetisas brasileiras.
PB – Você poderia compartilhar um pouco sobre o processo criativo por trás de uma de suas peças favoritas?
LA – Costumo dizer que cada coleção é como um filho gestado, o que torna difícil escolher uma peça favorita. No entanto, há dois processos criativos recentes que posso destacar. O primeiro envolve o kimono Clarice, parte da coleção Persona. Essa peça traz em sua composição frases escritas, como: “Arte não é liberdade, é libertação; arte não é pureza, é purificação”, inspiradas nos pensamentos de Clarice Lispector sobre a arte. Para muitos, a arte se confunde com a liberdade ou, em certos momentos, com a libertinagem. Para o artista, contudo, ela é um respiro, um suspiro. É quando o rebuliço interior não pode mais ser contido e precisa se expressar. A coleção LIZZI nasce desse suspiro ou respiro da alma da estilista para o mundo.
Outra peça significativa é o vestido Pureza, da coleção de mesmo nome. O nome foi inspirado pela força feminina de Pureza Lopes Loyola, que lutou contra o sistema de escravidão contemporânea (como retratado em um filme sobre sua história), sendo exemplo de coragem, amor e delicadeza. Além disso, o vestido reflete a constante imagem da pureza da natureza, expressa nos manguezais dos Lençóis Maranhenses com seus tons marrons. A ideia por trás desta criação foi unir força, delicadeza e simplicidade, buscando traduzir o que chamo de “pureza invisível” em uma roupa. O tecido foi moldado como se molda a argila, evocando as raízes do mangue, as mesmas raízes do amor que levaram Pureza a ser ouvida e vista no mundo.
PB – Qual é o papel da criatividade na sua abordagem ao design de moda?
LA – Criatividade, para mim, é não fazer da roupa um espaço sem história para contar. Como designer de moda, vejo o corpo nu como uma tela em branco, e a criatividade de vestir como uma pintura que gostaríamos de apresentar ao mundo — ao nosso mundo.
PB – Como você acredita que a moda pode contribuir para uma maior consciência ambiental?
LA – A partir do momento em que conseguirmos transmitir a moda como algo não descartável, com procedência, preocupando-nos com sua origem e evitando que se torne obsoleta. O atemporal dura, atravessa o tempo, e isso por si só já é uma forma de consciência ambiental.
PB – Quais materiais e técnicas você utiliza para garantir que suas criações respeitem o meio ambiente?
LV – Acredito que, para respeitar o meio ambiente, é preciso respeitar o outro, a ancestralidade, o “savoir-faire”. Busco sempre matérias-primas naturais e certificadas, como o algodão orgânico da Paraíba. Temos usado bastante seda certificada, desde o fio até o tingimento, com reaproveitamento e tratamento da água. Também unimos isso a técnicas de saberes tradicionais, como os bordados dos Bumbas-meu-boi, as artesãs de fibra de carnaúba, as rendeiras de bilro, Renascença e labirinto, entre outras.
PB – Como você vê a evolução da moda nacional e qual o papel da sua marca nesse cenário?
LA – Neste momento histórico, estamos vivenciando um processo de redescoberta do Brasil e, com isso, de seus criativos, tanto na moda quanto em outros setores. Nosso maior valor como marca é criar ferramentas para apresentar culturas, intervenções artísticas e preservar técnicas manuais e ancestrais da nossa cultura, para que não desapareçam.