Foto: Reprodução/Instagram/@ysl

Conhecido por sua estética saturada, luz frontal crua e humor ácido, Martin Parr transformou a fotografia em uma ferramenta de crítica social envolta em ironia. Seu olhar sobre o cotidiano expõe com elegância desconfortável os gestos banais que muitos preferem ignorar.

No Dia Mundial da Fotografia, celebramos Martin Parr como um dos grandes cronistas visuais de nosso tempo. Sua obra atravessa fronteiras entre arte, moda e jornalismo, e continua a inspirar novas gerações a ver beleza (e ironia) no que parece ordinário.

A relação de Parr com o universo fashion é marcada por tensão criativa. Desde os anos 2000, ele já foi chamado por revistas e marcas para assinar editoriais e campanhas, mas nunca cedeu ao formato tradicional. Em vez de embelezar, ele expõe a realidade nua e crua; em vez de idealizar, ele escancara o cotidiano. O seu trabalho para marcas como Gucci, Balenciaga e da i-D à Toiletpaper mostra que é possível comunicar sobre estilo e consumo sem se render à estética do encantamento. Com Parr, a moda não flutua, ela pisa firme no chão do mundo real.

O que torna seu olhar tão particular é justamente essa capacidade de transformar o banal em símbolo. Os grandes temas estudados por Parr, ao longo dos anos, são os hábitos que definem nossa cultura visual, lazer e consumo; com uma abordagem que mistura crítica, sedução e humor. Em suas imagens, que à primeira vista parecem exageradas ou até grotescas, há uma análise aguda de uma realidade crua, como nos mostramos ao mundo e do que escolhemos valorizar. Ele mesmo chama o excesso imagético da vida contemporânea de “propaganda”. E combate essa propaganda com sua ironia meticulosa.

Foto: Reprodução/ Instagram/ @martinparr

Há uma inteligência rara em sua forma de narrar o vestuário como parte de uma paisagem social. Em suas fotos, a roupa é apenas mais um elemento dentro de uma moldura maior: o rosto, o prato de comida, a toalha de mesa plastificada, a luz fluorescente. O glamour aparece, nunca sozinho, mas em contraste com o desconforto, o excesso ou o deslocamento.

Um dos trabalhos mais recentes de Martin Parr é a campanha “An Ordinary Day” para a Saint Laurent Verão 2025. Nela, Parr aplica seu olhar ácido e hiper-realista ao universo da moda, transformando gestos cotidianos em cenas carregadas de ironia e humor. Sob a direção de Anthony Vaccarello, a campanha reinventa o ordinário: ternos de alfaiataria impecáveis e óculos icônicos convivem com pratos de comida, toalhas plastificadas e luzes fluorescentes.

Toiletpaper por Martin Parr / Foto: Reprodução

Outro momento marcante de sua trajetória recente foi a colaboração com a Toiletpaper, revista criada pelos artistas Maurizio Cattelan e Pierpaolo Ferrari. Desde 2018, Parr une seu olhar documental e ácido ao universo surreal e provocador da dupla, numa fusão que deu origem à edição especial ToiletMartin PaperParr. A parceria, que virou também um livro homônimo publicado pela Damiani, mistura cerca de 120 imagens impactantes dos três autores, criando justaposições visualmente intensas e conceitualmente imprevisíveis. O resultado é uma espécie de colagem contemporânea que desafia os limites entre arte, moda e absurdo.

Parr tem o dom de tornar visíveis os signos da globalização, costurando imagens específicas com símbolos universais sem tentar resolver as contradições. Pelo contrário: ele valoriza as excentricidades, as falhas, os desvios. Suas obras ultrapassam fronteiras entre os campos da arte, da publicidade e do fotojornalismo, publicando os mesmos trabalhos em livros de arte e revistas comerciais. Um gesto que desafia os limites da fotografia contemporânea e inspira novas gerações de fotógrafos a fazer o mesmo.

Livro Martin Parr / Foto: Reprodução

Essa intersecção entre moda e crítica social, entre o sistema e sua paródia, é onde Parr brilha. Seu trabalho serve de lembrete de que a moda, quando não se leva tão a sério, pode ser ainda mais potente. Porque no fim, como ele mesmo já provou repetidas vezes, é no ordinário — e no exagero — que se esconde o verdadeiro espetáculo.