por Silvana Holzmeister
Item irrefutável quando se pensa em praticidade, o macacão voltou para ser forte concorrente do vestido. Apesar de ambos cumprirem à risca a máxima “vestiu, saiu”, a peça utilitária ainda tem diálogo direto com o movimento genderless, o que a torna ainda mais desejável.

Kendall Jenner – Foto: GettyImages
E essa comunicação não é de hoje. Enquanto o vestido e sua meia-metade, a saia, lutam por democracia, o macacão já nasceu sem amarras, trajando sem preconceito quem caísse de amores por ele. Não à toa, a modelagem quadradona, que vem ganhando força dentro e fora das passarelas, resgata a imagem original do macacão, carregada de ideologia e apelo artsy.
Seu surgimento está ligado à movimentação de artistas italianos interessados em quebrar a austeridade predominante no armário masculino, na primeira década do século 20. Nomes como Giacomo Balla clamavam por cores, assimetrias e até recursos que pudessem modificar a aparência da roupa segundo o ânimo do dono. Lançado em 1914, o manifesto futurista acabou abafado pela guerra, mas foi retomado cinco anos mais tarde por uma turma que focava no aspecto ideológico do vestuário e priorizava questões como função e universalidade. E, assim, Ernesto Michahelles, mais conhecido como Thayaht, criou a andrógina Tuta.

Ernesto
Michahelles de Tuta – Foto: Divulgação
Em formato de “T” e para ser usada a qualquer hora, foi sucesso imediato – em poucos dias, foram vendidos mais de mil moldes. O artista chamou a atenção de Madeleine Vionnet, que o convidou para várias colaborações. Mas é de Elsa Schiaparelli o crédito de tornar o macacão peça-desejo. Ela enxergou na modelagem geométrica o mesmo potencial descomplicado da roupa norte-americana, que a havia seduzido na temporada passada em Nova York. Uma de suas criações trazia, inclusive, um visionário cinto com porta-garrafinha de água.

Another Place – Foto: João Arraes
O macacão se mostrou perfeito para uma sociedade que projetava o desejo crescente de igualdade de gêneros, e isso ficava cada vez mais explícito no visual feminino. Transitando com desenvoltura entre uniforme de trabalhadores e de pilotos, palcos, filmes de ficção científica e passarela, a peça fez fama ao longo do século passado. Encurtou, encolheu, ganhou brilho, decote e recortes sem jamais romper definitivamente com a sua origem. E é para ela que a moda tem olhado ultimamente. Várias marcas vêm incluindo o macacão utilitário em suas coleções, contrastando sua informalidade com acessórios imponentes.
Foi Miuccia Prada que ressaltou a tendência. Ainda que não tenha feito conexão direta com o conterrâneo Thayaht, ela chamou a atenção para a peça na coleção masculina da Prada para o Verão 2018. Na sequência, vestiu as garotas com a mesma proposta no Resort 2018 da Miu Miu. Estava feita a conexão.

Miu Miu – Resort 2018 – Foto: GettyImages

Gucci – Verão 2018 – Foto: GettyImages
Em entrevistas, a estilista se disse obcecada pelo macacão, que, aliás, tem tudo a ver com sua visão de mundo. PhD em Ciências Políticas, ela já foi afiliada ao partido socialista e, não raro, discute questões contemporâneas por meio de suas criações. De olho na mesma estação, Marc Jacobs, outro entusiasta, combinou versões cheias de bolsos com turbantes e acessórios barrocos.

Marc Jacobs – Verão 2018 – Foto: GettyImages
Stella McCartney também embarcou na ideia, aproximando seus macacões de algodão lavado das versões utilizadas por aviadores. Por aqui, marcas jovens, como a gaúcha Ocksä e a mineira LED, apostaram na estética nas coleções do próximo Inverno. Em 2018, funcionalidade, elegância e androginia prometem estar ainda mais próximas.