Balenciaga, alta costura de otutono/inverno 2024, por Demna Gvasalia (Foto: Divulgação/Balenciaga)

“O que Cristóbal Balenciaga diria sobre Demna Gvasalia?”. Socorro! Não aguento mais ouvir isso por aí – minha curiosidade mesmo é saber o que Plutarco pensaria. Entre seus muitos escritos na Antiguidade, o filósofo eternizou um dos paradoxos mais curiosos da Grécia: o navio de Teseu. É uma pensata “simples”: Teseu, o herói que matou o Minotauro, faz uma viagem pelo Mediterrâneo e, ao longo do percurso, cada parte seu navio é substituída por uma nova. No destino, quando tudo já foi trocado, é possível dizer que a embarcação ainda é a mesma que aquela do início? Caso negativo, em que momento o “navio de Teseu” deixou de ser “o navio de Teseu”?

Cristóbal Balenciaga, o espanhol que conquistou a alta costura francesa, reinou por quase três décadas até fechar sua maison, no número 10 da Avenue George V, em 1968. Em 1997, a marca já estava de volta – agora no prêt-à-porter, com Nicolas Ghesquière – e, desde 2015, vive sob o comando debochado de Demna Gvasalia, o georgiano que, em 2021, reviveu a couture na casa.

Nessa última temporada, ele apresentou sua quarta coleção do tipo, com um estilo antimoda (e anticonformismo) típico do seu ready-to-wear, mas inédito em sua alta costura. Ao contrário dos materiais luxuosos e bordados tradicionais, ainda que tecnológicos, que desfilou em coleções passadas, decidiu trabalhar um vocabulário de texturas diferente, com couros, denim, plástico e papel alumínio. Chame de arts & crafts, upcycling, o que quiser… eu chamo de susto!

Para não ser completamente injusto, as novas versões dos chapelões excêntricos que debutaram na primeira couture continuam curiosas – e as borboletas, cobrindo os rostos como máscaras, são um charme à parte. As bolsas numeradas (ao invés de plaquinhas carregadas por modelos) são igualmente divertidas e, no assunto alta costura, se faz necessário citar os detalhes. Um modelito azul, em pele falsa, exigiu dois meses e meio. Outro, também em faux-fur, precisou de 245 horas e, para uma camiseta pintada à mão, foram necessários mais de três dias.

Aqui e ali, dá para sentir um aroma de Cristóbal: nas mangas ¾, nas silhuetas casulo e até em um colar de 1960 resgatado dos arquivos. Mas o navio de Balenciaga não é mais o navio de Balenciaga – e nem precisa ser, ainda que o mar continue igual (leia-se os salões na George V). Demna é o capitão e quer novos ventos, justo. Mas quando foi que ele virou Teseu?