o casaco militar atravessa séculos e volta às passarelas em meio a uma nostalgia que diz mais sobre o presente do que sobre a história. Foto: Reprodução / Colagem (Gabriel Fusari)

Não é de hoje que a moda flerta com fantasmas do passado, mas há algo curioso em ver a jaqueta napoleônica ressurgir em 2025, entre o desejo por poder e a estética do excesso. Quem viveu os anos 2000 lembra: Kate Moss praticamente não tirava a sua. Na música, Michael Jackson e a banda My Chemical Romance tinham a peça como uniforme. Era o auge do indie sleaze, dos shorts desfiados e da meia 40. Agora o retorno vem de outro lugar: menos bagunçado, mais estratégico, e talvez mais político.

O modelo, tecnicamente chamado de hussar jacket e inspirado na cavalaria húngara, voltou a ocupar as passarelas de Paris e Milão. Apareceu nas versões de Ann Demeulemeester e Alexander McQueen, nas alfaiatarias estruturadas de Balmain e nas leituras street de Kenzo. Até a Dior Men, em sua nova fase com Jonathan Anderson, flertou com a estética imperial: golas rendadas, redingotes e uniformes com botões dourados.

Em uma vibe meio “chapéu panamá não é feito no panamá”, o nome “Napoleon Jacket” pouco tem a ver com Napoleão. A imagem do comandante é só a moldura de um desejo maior: o de se proteger e se impor. Nos anos 1980, Vivienne Westwood e Jean Paul Gaultier já haviam transformado o militarismo em fetiche visual. Michael Jackson e Freddie Mercury fizeram da jaqueta um figurino de performance. Depois, Hedi Slimane, na Dior, a transformou em símbolo do rock elegante que definia uma geração.

Mas por que ela volta agora? Talvez porque estejamos novamente nesse limbo entre poder e colapso, em que vestir-se como um general se torna uma forma de reafirmar controle num mundo em ebulição. O revival não é coincidência: Burberry, Loro Piana e Saint Laurent resgataram botas de montaria; Isabel Marant reinterpretou o casaco como jaqueta boho; e até o TikTok se encheu de jovens com peças garimpadas em brechós, performando um certo ar de conquista.

Há um fio político que costura esse retorno. Assim como no início do século XIX, vivemos um tempo de restauração simbólica, em que o discurso de ordem e estabilidade mascara formas sutis de censura e controle. Donald Trump chegou a citar Napoleão em 2024: “Quem salva sua pátria não viola nenhuma lei.” O eco é perturbador.

A moda, no fundo, sabe o que faz. Quando revive um ícone como Napoleão, não celebra o império, mas revela o que ele ainda representa. O casaco com botões dourados volta não como fantasia histórica, e sim como espelho de um presente em que o poder, de novo, é tendência.