
Alexandre Herchcovitch
Três décadas depois de sua estreia nas passarelas, Alexandre Herchcovitch continua sendo uma das vozes mais influentes e inquietas da moda brasileira. Ícone de autenticidade e experimentação, o estilista mantém uma relação profunda com o São Paulo Fashion Week — evento que acompanhou desde os primeiros desfiles e que ajudou a moldar. Nesta entrevista à Harper’s Bazaar Brasil, ele reflete sobre o tempo como elemento criativo, revisita seus códigos de estilo e compartilha memórias, desafios e inspirações que seguem impulsionando sua trajetória.

HBB – Qual é o segredo desse vínculo tão duradouro com a São Paulo Fashion Week? O que faz com que você continue lá, edição após edição?
AH – O São Paulo Fashion Week faz parte da minha história, eu comecei a apresentar minhas coleções ali, quando o evento ainda estava se formando. Acho que o que me mantém é justamente esse compromisso com a construção da moda brasileira, o SPFW é uma plataforma que fala de moda, mas também de cultura, comportamento, inclusão e transformação, que valoriza a criação, a continuidade e o diálogo com o tempo.
HBB – Ao longo dessas décadas, como você enxerga a evolução da moda brasileira — desde o início da sua carreira até agora? Que transformações mais te marcaram?
AH – A moda brasileira evoluiu muito. Lá atrás, ainda estávamos tentando provar que existia uma moda autoral no país, hoje o desafio é sustentar essa autoria diante de tantas mudanças. O lado bom é que temos mais diversidade, mais liberdade criativa, mais consciência do nosso papel cultural. E o que mais me marca é ver novas gerações assumindo suas próprias vozes, sem precisar se enquadrar em um único padrão.
HBB – Falando da coleção que você estará apresentando, qual foi sua principal fonte de inspiração? O que você gostaria que as pessoas pensassem ao sair do seu desfile?
AH – Meu processo hoje é muito mais sobre revisitar do que sobre criar do zero. Eu tenho exercitado voltar aos códigos que construí ao longo dessas três décadas em modelagens, volumes, alfaiataria, elementos simbólicos e tecidos que sempre fizeram parte das minhas roupas, olho pra eles com o olhar de hoje. Tenho trabalhado muito com peças sob medida, o que também me faz olhar para a roupa com mais atenção ao corpo, à necessidade e à individualidade de cada pessoa. Não existe um tema específico, existe uma continuidade. Gosto quando o público sai do desfile com a sensação de que entendeu esse movimento entre passado e presente, entre memória e novo olhar.

Alexandre Herchcovitch durante a SPFW 2025
HBB – E dentro dessa coleção, que mensagem, tema ou sentimento você buscou transmitir? Qual é o fio condutor entre as peças?
AH – O fio condutor é o tempo. As peças conversam com o que já apresentei antes, mas sob novas perspectivas com essa essência daquilo que eu gosto de criar. É quase um diálogo entre o que eu já criei e o que ainda quero dizer. Acho que cada coleção tem sido uma forma de reafirmar o que permanece e de reavaliar o que muda daqui para frente.
HBB – Entre tantas passarelas e bastidores da SPFW, há algum episódio ou memória que sempre volta à sua mente — algo marcante que você goste de compartilhar?
AH – Eu me lembro muito dos primeiros desfiles. Era um momento de experimentação, de fazer as coisas acontecerem com o que tínhamos nas mãos, foi ali onde mais arrisquei e criei meus próprios códigos de construção de roupas, a identidade da minha marca. Tínhamos poucos recursos, mas muita vontade de fazer moda de verdade. Aquela sensação de descoberta ainda me acompanha, é o que mantém a vontade em continuar criando.
HBB – Com uma trajetória extensa como a sua, o que ainda te desafia no campo da moda? O que te motiva a continuar se reinventando a cada temporada?
AH – O desafio é continuar sendo verdadeiro. Com o tempo, a gente entende que o maior risco é se repetir, mas também é perigoso tentar se distanciar do que já é seu. O equilíbrio está em olhar para o que construí e entender como isso pode se transformar em novas possibilidades interessantes. O que me motiva é a curiosidade, eu quero continuar experimentando, errando, aprendendo e entendendo o tempo através da roupa.

