
Jessica Lange na temporada de Coven, em American Horror Story. Foto: Divulgação.
O verão deveria ser sobre pele dourada, drinks coloridos e vestidos brancos que parecem uniformes de réveillon estendidos pela temporada. Mas 2025 decidiu inverter as cartas: o preto virou a cor mais quente do verão. A estética gótica, que por décadas carregou a fama de ser sombria e misteriosa, não só saiu das sombras como resolveu brilhar debaixo do sol.
O curioso é como essa virada não aconteceu só na moda. A cultura pop inteira parece ter se levantado das tumbas. “Wandinha” transformou Jenna Ortega em ícone fashion de um gótico atualizado — com vestidos de Ann Demeulemeester, Vivienne Westwood e Elena Velez desfilados como se fossem uniformes de divulgação. Enquanto isso, a internet recuperou novelas como “Vamp“ e “O Beijo do Vampiro”, remixadas em cortes e memes que soam atuais demais para ficarem apenas no arquivo da memória. Gui Neris, no pop gospel brasileiro, brinca com essa linguagem em clipes que carregam a atmosfera sombria de um verão que combina luz e sombras.

Lady Gaga no Grammy 2025. Foto: Reprodução
E claro, Lady Gaga. Ela voltou com um novo disco mergulhado nesse imaginário e convocou Tim Burton para dirigir “Dead Dance”. Nos palcos do Mayhem Ball, desfila looks em couro, latex e alfaiataria escura. Fora deles, é clicada em Nova York em preto total, de Balenciaga a Hermès, provando que sua leitura de moda sempre se antecipa ao que depois se consolida como tendência.
As passarelas já vinham sinalizando esse movimento. Em Copenhague, Deadwood, PLN e Freya Dalsjø transformaram o preto em narrativa de verão: jaquetas de couro, calças de cintura baixa, vestidos translúcidos e rendas que pareciam absorver o calor ao invés de repelir. O que poderia soar pesado ganhou ares românticos, com tecidos fluidos e bainhas rasgadas que esvoaçam no calor. Dilara Findikoglu segue como referência provocativa, enquanto a Gucci sob Demna Gvasalia resgata o drama da alfaiataria preta que nos lembra os anos Tom Ford. É como se cada marca fizesse um eclipse, dizendo: o sol não anula a sombra, só a expõe.
Nos tapetes vermelhos, a tendência se firmou de vez. No VMA 2025, a cartilha das cores claras foi ignorada. Gaga surgiu envolta em flores negras assinadas por Marc Jacobs. O grupo The Marías brincou com contrastes de vestidos justos e ternos escuros. Sombr, de Valentino bordada com botas western, mostrou que o gótico pode dialogar até com códigos clássicos. Entre os homens, a alfaiataria preta ganhou versões largas, desconstruídas, em camadas que substituíram o tradicional branco e bege do verão. O efeito foi o oposto do previsível: se esperava luz, a noite respondeu com sombra.
A New York Fashion Week confirmou essa virada. Ao longo dos desfiles, ficou evidente que o preto não era apenas escolha estética, mas um exercício de traduzir o gótico em chave de verão: das silhuetas dramáticas de Grace Living ao navy de Monse, do western gótico de Michael Kors ao imaginário lúdico da Collina Strada, até chegar à Coach, que levou o escuro para a rotina urbana. Foi uma reafirmação de que a sombra pode ser solar.
Mas por que agora? Talvez porque, em tempos de excesso de cores, estímulos e tendências que piscam e desaparecem, o preto surja como pausa. Como código de introspecção, mas também de desejo. Um lembrete de que a moda não precisa ser sempre leve para dialogar com o verão. O gótico reaparece como linguagem cultural porque ressoa com um estado de espírito: entre o fascínio por narrativas sombrias, a retomada de subculturas como o emo e a saturação do que é óbvio, vestir preto em pleno calor parece mais um ato de afirmação do que uma escolha estética. E que a moda, como sempre, só traduz o que já estava no ar: a beleza de um tempo em que até o sol precisa dividir espaço com a noite.