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Por Daniela Dornellas

Um dos temas mais discutidos nos últimos meses no mundo da moda é o quiet luxury, a nova forma como os artigos de luxo são produzidos. Além de uma estética minimalista, básica e limpa, o estilo tem como característica o extremo bom acabamento e preços mais altos. Nesse estilo visualmente mais contido, o brilho quase não entra em cena: o que chama a atenção é a combinação de leveza, simplicidade e sofisticação. É como se a luminosidade extravagante do estilo ostentatório fosse um empecilho para que portadores de artigos de luxo sejam vistos mais “de perto”, com suas personalidades próprias.

Os itens da nova tendência têm uma aura silenciosa e atemporal, com um ar básico. Marcas como The Row, Brunello Cucinelli, Loewe e Max Mara são referências nesse tema. A longevidade dos materiais – além da qualidade – se manifesta em couro sustentável, seda, lã e algodão, em vez de náilon e poliéster, o que torna maior a durabilidade dessas peças. A valorização dos produtos é consequência de detalhes de confecção, como a alfaiataria com bons cortes, e a qualidade de tecidos em tons neutros, que ensejam praticidade de movimento e muita sobriedade.

Pesquisa realizada em agosto de 2022 constatou que a qualidade dos produtos de luxo é a característica mais relevante para 52% dos consumidores. Para essa maioria, não basta que os objetos sejam belos, é preciso que tenham durabilidade, preferencialmente para a vida toda. Em vez de serem encarados como bens de mero e efêmero prazer, essas roupas e acessórios passam a ser vistos até mesmo como investimentos. Um estudo realizado em 2016 pela BagHunter, plataforma de compra e venda de bolsas de luxo, já apontava que a aquisição de um modelo Birkin, por exemplo, poderia render mais do que investir no mercado de ações.

Um outro aspecto interessante da nova tendência é a utilização, em alguns casos, de materiais recicláveis, o que indicaria algum grau de conexão com amplas preocupações sociais relativas a esse tema. Essa mudança pode estar relacionada com o perfil dos consumidores, que se tornam cada vez mais jovens. Pesquisa realizada pela empresa de consultoria Bain & Company aponta que, entre 2109 e 2021, a geração Y ou do milênio – pessoas nascidas entre 1981 e 1996 –, agregada à geração Z – nascidos entre 1997 e 2012 –, passou a representar aproximadamente 60% desses consumidores – e deve chegar a mais de 70% em 2025. Tal rejuvenescimento teria consequências importantes, porque os mais jovens têm concepções diferentes do que vem a ser o luxo, nas quais se incluiriam as preocupações com o meio ambiente e a autoexpressão.

Mas o Quiet Luxury não se limita apenas às marcas renomadas. Empresas que não transitam nesse mercado também estão aderindo ao movimento. Muitos delas partem da concepção de que qualidade e shapes atemporais são sinônimo de luxo, independentemente da marca. Trata-se de fazer escolhas inteligentes e investir em peças duradouras. Mas se a etiqueta não é aparente, o que define o luxo silencioso? É o valor ou o estilo?

A pergunta não tem uma resposta simples. De qualquer forma, a tendência está ganhando cada vez mais espaço no guarda-roupa e na forma como as grandes empresas se comunicam, abandonando extravagâncias e buscando designs mais minimalistas e limpos. Um ótimo exemplo é a mudança de logo de várias marcas famosas que estão apostando em um design mais simples, mas sem perder sua personalidade.

As peças de roupa e acessórios de luxo passaram a ter também como característica a funcionalidade, isto é, têm que ser, principalmente, “vestíveis”. Para o crítico de moda Paul McLauchlan, “o ressurgimento da ‘vestibilidade’ ocorre em um momento em que a incerteza econômica paira sobre o globo, o mundo se recupera dos impactos de várias ocorrências geopolíticas e bolsos tensos. Em tempos como este, a economia geralmente impede as compras de luxo, mas aqueles que ainda têm meios tendem a focar mais em seus guarda-roupas, disfarçando a riqueza cada vez maior por meio das escolas de moda cuidadosamente planejadas”.

O mercado de bens de luxo pessoais recuperou-se, após uma queda de perto de 300 bilhões de euros para pouco mais de 200 bilhões entre 2019 e 2020 – em 2021, o patamar subiu para uma posição um pouco superior à de dois anos antes, segundo dados da Bain & Company. No século passado, as grandes casas de moda seguiram os rumos da mundialização dos mercados e chegaram ao Oriente, primeiro ao Japão e, depois, à China. Diante da desaceleração econômica chinesa decorrente da pandemia de covid-19, outros mercados entraram na mira dessas empresas, especialmente os do Golfo Pérsico, onde se localizam países com grande produção de petróleo e elites super-ricas. São também alvos da indústria do luxo mercados como África do Sul, Índia, Indonésia e Nigéria.

Em contraposição a esse diagnóstico, há sinais de um forte crescimento do mercado de luxo na China. No primeiro semestre de 2022, Xangai, considerada a capital da moda e do luxo chinês, vivia um bloqueio duríssimo devido à pandemia. Um ano mais tarde, formam-se filas nas principais lojas na Nanjing Road ou nas suas redondezas, região considerada o mais tradicional centro do glamour na China.

Em consequência do crescimento das vendas, a LVMH, maior grupo de artigos de luxo do mundo em vendas e proprietária de marcas como Louis Vuitton, Tiffany & Company e Dior, teve uma alta de 17% na receita do primeiro trimestre de 2023 em relação ao ano anterior, com a subida de 18% em moda e artigos de couro, impulsionados em grande parte pela recuperação chinesa.

A onda atual do luxo contido, não-extravagante, não é exatamente uma novidade. No final da primeira década deste século, a partir da crise econômica global inaugurada em 2008, uma tendência do mesmo tipo vigorou por algum tempo.

Com o desfecho da crise econômica atual, e com o retorno a padrões econômicos mais “normais”, o Quiet Luxury persistirá? Ou teremos o retorno do luxo ostentatório? Ou, quem sabe, alguma espécie de mescla entre os dois? É provável que até a semana da moda, no verão no hemisfério norte, em 2024, alguma resposta mais consistente se apresente.

De qualquer forma, para entender o que virá é preciso ter em mente que duas tendências de estilo contrapostos não surgem do nada, como se caíssem do céu. Ambas devem continuar a existir, independentemente de qual delas se torne predominante. Hoje, o Quiet Luxury é hegemônico, mas isso não quer dizer que correntes de estilo do luxo que realcem a ostentação não se desenvolvam. Pelo contrário. Da mesma forma, quando a ostentação prevalecia, os estilos mais contidos também existiam. É só lembrar das vestimentas dos super-ricos Steve Jobs e Mark Zuckemberg. Um usava gola alta Yssey Miyake e o outro, camisetas cinza, feitas sob medida por Brunello Cucinelli. Roupas simples, mas nem por isso menos sofisticadas do ponto de vista da confecção.