Exposição “Brasilidade Pós Modernismo”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo – Foto: Jaime Acioli

Por Adriana Lerner e João Victor Marques

Ao comemorar o centenário de um movimento tão significativo cultural e artisticamente para o Brasil como o Modernismo, representado pela Semana de Arte Moderna de 1922, beira-se o risco de cair em um chavão histórico. Daqueles em que nada de novo e fresco será contado, além do que está eternizado nos livros didáticos.

Justamente para trazer à tona um novo olhar para esse marco da arte nacional, a curadora Tereza de Arruda montou a exposição “Brasilidade Pós-Modernismo”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo até março. Nesta entrevista à Bazaar, a especialista em arte, que mora há mais de 25 anos na Alemanha, conta quais foram as principais motivações deste projeto e como chegou aos 51 nomes expostos agora em São Paulo, depois de passarem pelo CCBB do Rio de Janeiro:

Qual foi o principal desafio em celebrar o centenário da semana de arte moderna de 1922 a partir de uma exposição que olha para o futuro, trazendo um novo frescor sobre a arte brasileira?

Comecei a pensar e escrever esse projeto em 2018. Em 2019, segui investigando os nomes para esta mostra porque, em 2022, tem-se os cem anos do modernismo e os 200 anos da independência do Brasil. São vários fatores que fazem parte do nosso legado histórico. Na proposta que enviei ao edital do CCBB, já era minha intenção mostrar a brasilidade a partir da diversidade que nós temos, partindo de várias regiões do Brasil e várias gerações da arte brasileira. Mas não revendo um legado histórico, e, sim, tentando se atentar aos temas recorrentes daquela época, verificando se caíram em desuso ou não. Muitos dos relevantes temas da atualidade eram os mesmos debatidos naquele momento. O desafio foi justamente encontrar e ter expoentes que representem essa amplitude da produtividade brasileira e desta diversidade artística.

Exposição “Brasilidade Pós Modernismo”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo – Foto: Jaime Acioli

Onde você buscou os nomes dos 51 artistas para esta exposição?

Muitas pesquisas, muitas visitas a ateliês, a exposições e muita leitura. Também uma maior parte deles foi uma conversa direta com os artistas, explicando para eles onde e como a exposição queria chegar para entender se o trabalho deles fazia sentido neste contexto, principalmente partindo do pressuposto de como eles enxergam a influência do modernismo no trabalho individual. Era importante ter essa conversa com eles, que são os protagonistas. Era importante ter uma construção horizontal.

Aliás, por que 51? Foi um número específico ou foi juntando as peças e chegou a isso?

Foi chegando a isso. É muito difícil porque, na verdade, é uma tarefa muito complicada escolher quais artistas representam cada trecho do Brasil. Existem muitos outros excepcionais que adoraria ter na exposição. Não queríamos simplesmente tê-los conosco: queríamos algo significativo de cada um deles. Colocar o nome na parede por colocar não era nossa intenção. Não almejamos um número: buscamos uma representatividade, uma narrativa.

Você acredita que estes 51 artistas exaltam juntos o legado da semana de arte para o Brasil e para o mundo, ou trabalham lado a lado com o que o modernismo trouxe para a agenda?

Por vezes, este legado é visível ou não. Teve uma certa evolução. Estamos falando do entorno. Muitos têm essa obra introspectiva importantíssima com voz ativa apenas agora, falando de e para seu grupo porque, naquela época, eram poucos falando por muitos. Isso cria lacunas porque os protagonistas autênticos eram representados. Eles não tinham uma voz e não se apresentavam. No modernismo, já se queria mostrar e falar o que era brasilidade, mas existiam interlocutores. Não eram todos que falavam. Um exemplo disso são as obras de Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que chegou aqui com uma visão pré-estabelecida do que eram os indígenas, os escravos e o cotidiano. Representou este “novo mundo” repleto de clichês. Ele não pertencia a este contexto. E aqui temos as obras da artista maranhense Gê Viana que, a partir de colagens com imagens coloniais e do seu cotidiano, busca mostrar um novo olhar sobre os povos daqui.

Exposição “Brasilidade Pós Modernismo”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo – Foto: Jaime Acioli

A exposição é dividida em seis grandes núcleos. Conte um pouco para a gente como foi essa divisão, como ela se deu, como foi separada e tudo mais.

Para dividir esta exposição, me lancei a partir do que era discutido naquela época. Quais eram as inquietações e os principais temas debatidos entre os artistas.

Você não acha que nesta data em específico, em que se comemora o centenário de um evento importante, seu maior desafio e seu maior mérito foi falar do modernismo pelo prisma atual?

Completo. Minha intenção nunca foi fazer uma mostra histórica. A história está lá, está escrita. A maior parte dos museus de São Paulo tem obras históricas do Modernismo e estão expostas constantemente. Estamos vivendo uma outra atualidade e precisamos entender onde estamos, como chegamos e para onde estamos indo para promover uma reparação do que foi feito. É como um ato de cura: rever o eurocentrismo, olhar para o nosso povo. A exposição não é um ponto final. Ela é uma pausa para você entender onde estamos. Temos artistas históricos, mas buscamos dar voz para quem não falou 100 anos atrás nesta mostra. É sabido o caráter elitista e monopolizado no eixo RJ-SP e como o Modernismo existe antes da Semana de Arte Moderna. Já era discutido, não nasceu porque este evento aconteceu.