Gloria Kalil e Elio Fiorucci em uma das suas visitas ao país - Foto: arquivo pessoal

Gloria Kalil e Elio Fiorucci em uma das suas visitas ao país – Foto: arquivo pessoal

Por Ligia Carvalhosa

Era final dos anos 1970 e o mundo vivia a moda dos excessos, do glamour urbano, das discotecas. Os jovens ditavam o rumo das coisas. “Estávamos num momento de experimentações, pela primeira vez o universo da moda seria explorado de uma maneira pop. A Fiorucci olhou para a rua e se lançou como uma marca jovem. Ela fez do jeans e da camiseta uma roupa de discoteca, deixou de ser apenas um quebra-galho de fim de semana.” As palavras são de Gloria Kalil, empresária e consultora de moda, que trouxe a icônica grife italiana – com a logomarca dos dois anjinhos – para o Brasil, em 1979. “Eu, o Zé Kalil e o Marcos Santin trabalhávamos juntos na tecelagem Scala D’oro, e um amigo do Marcos, o César Fernandes, levou o Elio Fiorucci ao nosso escritório. No dia seguinte, ele voltou perguntando se não queríamos ter a concessão da marca. Foi simples assim, uma empatia imediata”, conta. Os tempos eram outros, o País tinha portas fechadas para importação e a regra era clara: só se vendia o que era produzido internamente. Mas isso não foi um problema: “Nós revolucionamos a indústria, as referências que trazíamos de lá simplesmente não existiam aqui”. E a indústria local que se virasse para produzir maiô de látex e náilon na cor verde-limão.

Gloria viajava pelo menos duas vezes ao ano para conhecer as novidades e escolher os pilotos que traria para o Brasil. “Tínhamos um pacto velado. Eu fazia algumas alterações nas peças, pensando no nosso público, e o Elio fingia não perceber.” Mas, se a roupa sofria uma ou outra modificação, o modelo de negócio acompanhava o mesmo que foi sucesso em Milão e em Nova York, duas das mais emblemáticas lojas da grife no mundo. “Era uma proposta muito maior do que simplesmente a roupa. A Fiorucci foi a primeira loja-conceito: tinha livros, discos, revistas, comidinhas, acessórios e uma seleção de outras marcas. Ali era tudo novo.” Havia até criações de Markito (Gloria foi uma das primeiras a vender peças do estilista) e da dupla Frankie e Amaury.

Elio era um visionário. Amigo pessoal de Truman Capote, Andy Warhol, Keith Haring e Madonna, promovia eventos, disseminava tendências e organizava festas. No Brasil, não foi diferente. Caetano Veloso, Gilberto Gil e Sonia Braga eram clientes fiéis. A primeira loja da marca foi inaugurada no Rio de Janeiro, em 1980, em Ipanema. “Naqueles anos, se você não abrisse seu negócio no Rio, não tinha ressonância nacional. Quando contei para o Boni [José Bonifácio de Oliveira, então diretor da TV Globo] sobre o projeto, ele mandou fechar a rua. Teve jogo de luzes e uma passarela da loja até a Praça Nossa Senhora da Paz. Foi uma festança.” Embora a inauguração tenha acontecido no Rio, foi São Paulo o palco de alguns dos desfiles mais emblemáticos da história da moda nacional.

“Hoje é comum as grandes marcas pensarem em locações inusitadas, levarem seus convidados para Cannes ou Portofino. Mas, naquela época, isso era completamente novo.” Para ressaltar a chegada da Fiorucci ao País, em setembro de 1979, foi produzido um desfile dentro de um circo, armado onde é hoje o Parque do Povo, na capital paulista. “Era a apresentação daquela história. Na entrada, todos os convidados ganhavam uma cesta com sanduíche, vinho, fruta e sobremesa.” No ano seguinte, outro grande show, com modelos de patins. “O Fernando Alterio tinha acabado de inaugurar o primeiro ringue de patinação do país e nós inventamos o desfile para mostrar a coleção.”

Só que, um dia, toda essa inovação chegou ao fim. “O Elio era antenadíssimo, tinha o dom de se cercar de pessoas jovens e talentosas. Mas, do ponto de vista administrativo, era um desastre.”A Fiorucci, então, fechou as portas em 1992. Como era uma concessão, a operacão made in Brazil também teve seu fim decretado, ainda que bem estabelecida. “Quando a marca faliu, tínhamos 13 lojas próprias, 17 franquias e 120 pontos de venda espalhados pelo País. O negócio foi reflexo de uma época feliz, colorida e inovadora. Depois, veio a Aids, e a coisa mudou. A marca fez sentido nos anos 1970 e 80.” A amizade dos dois, porém, permaneceu. Gloria continuou cruzando o oceano rumo a Milão. Elio, habitué do Brasil, vivia nas praias de Trancoso – ele morreu em julho e trouxe a Fiorucci de volta aos holofotes. “A comoção foi a prova de que ele fez história.”