
Por Rodrigo Yaegashi e Silvana Holzmeister
A moda sempre foi o espelho da sociedade, das cores a ornamentos, tudo que vestimos é uma grande resposta a diversos pensamentos e reflexões do nosso estado de espírito. E em clima nada favorável ao que foi a liberdade setentinha, 2019 tem sido um grande ponto de interrogação.
Pois bem, qual o nosso papel como moda? De Nova York à Paris, passando por Londres e Milão, as mais famosas casas do luxo e criatividade mergulharam nos medos contemporâneos para fazer florir um verão rebelde, provocador e esperançoso, que o diga os decotes, transparências, comprimentos curtíssimos e vazados que deixaram o corpo feminino à mostra.

Mais não é só por aqui, no Brasil, que a liberdade vive momento delicado. O tubarão solitário da Calvin Klein se destacou logo no início da temporada delineando tempos de caça. As marcas ficaram, literalmente, expressas nas roupas, com fendas lembrando rasgos. O resultado é a mais bela coleção de Raf Simons para marca norte-americana.
Metaforicamente, nos remete ao individualismo que toma conta da sociedade e está expressa inclusive nas mídias sociais, ainda que sua concepção seja aglutinadora. Golas altas e plissadas, lembrando rufos nos mostram que o ato de se expressar deve ser contido?

No desfile de Thom Browne, modelos amordaçadas surgiram sobre saltos impossíveis de caminhar e, ao mesmo tempo, nas mais pitorescas cores – elemento que tanto nos vangloriamos nos nossos posts “instagrâmicos”. O mundo digital, altamente explorado de forma positiva nas passarelas no passado recente, mostra agora também seu lado obscuro e que foi percebido de forma coletiva. Haters de todos os lados, com frases que no mundo real renderiam respostas jurídicas imediatas, continuam pipocando livremente no mundo digital, disseminando ódio.

Enquanto a Dior, pelas mãos de Maria Grazia Chiuri; e a Givenchy, com a Clare Waight Keller utilizam a austeridade de ambas as casas, em cores e silhuetas, para militar seu exército, a estreia de Tisci na Burberry buscou os movimentos londrinos dos anos 80, teddy boys, punks e grunges a inspiração pesada para lutar nos tempos de hoje.

Claro que o balé da Dior contrapôs e deu esperança ao meio do conservadorismo, mas a sempre questionadora Miuccia Prada foi além, unindo referências diversas – meninas burguesas e colegiais uniformizadas, roqueiras e sexy – para montar sua pensata fashion-social em sua marca principal, a Prada.

À sua maneira, Pierpaolo Piccioli fez o mesmo ao mesclar formas puristas – quase austeras principalmente na sequência de looks pretos que abriram o desfile da Valentino – a plumas levíssimas decorando, inclusive, sneakers e espadrilles. Desejo para as informadas e desinformadas, e tudo bem!

Do visual vintage esplendoroso da Marc Jacobs à praia montada pela Chanel no Grand Palais e à passarela de água da Saint Laurent bem em frente ao principal cartão-postal parisiense, o sonho, o escapismo e a nostalgia, enfim, funcionam como válvula de escape para uma realidade não tão fácil de ser encarada. Como cabe à moda, o espelho do contemporâneo permanece vestida de espetáculo.
Libertos, sim vamos usar a liberdade em versão Valentino, em vermelho ou verde com amarelo, nos preparar para voar, mesmo que apenas um pulinho leve com plumas nos pés.