Cooperativas valorizam e regulamentam o trabalho de artesãs cearenses

Artesãs durante o processo de criação da renda de Bilro – Foto: Divulgação

Grande parte dos tesouros da moda nordestina está espalhada pelo interior do Ceará: os artesanatos, como rendas, crochês e trabalhos com palha. São técnicas centenárias, conhecimentos passados por gerações e produções caseiras que, com o avançar da indústria têxtil, perderam sua valorização financeira – mas que, recentemente, voltaram a atrair os olhares e desejos de estilistas do mundo todo.

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Analisando este cenário, artesãs e empresárias decidiram mudar a realidade de milhares de profissionais ao abrir cooperativas que regulamentam, incentivam e ampliam o leque de contatos entre o mundo da moda e essas especialistas. Essas iniciativas acabaram gerando um movimento essencial para um País patriarcal: a independência financeira das mulheres. “Depois da criação de cooperativas, muitas passaram a ter conta corrente própria, já que antes dependiam dos maridos”, conta Celina Hissa, criadora da marca Catarina Mina. São nomes como Olê Rendeira, ArtFio, Central de Artesanato do Ceará, entre outros, que comercializam e protegem este tesouro do nordeste brasileiro.

Cooperativas valorizam e regulamentam o trabalho de artesãs cearenses

Peças criadas pelo projeto Olê Rendeira – Foto: Divulgação

Foi em 2019, a partir do desejo de incluir a renda de Bilro ao catálogo da sua marca, que Carina deu início ao projeto Olê Rendeira, em parceria com a empresa de energia eólica Qair Brasil. Ao mapear as artesãs que usam essa técnica em Trairi, no litoral cearense, a empresária decidiu levar a iniciativa para outro patamar, criando uma incubadora para auxiliar a produção local.

Entre os problemas mapeados, Carina destaca a precificação dos produtos, a falta de conhecimento empresarial e a perda de um ensinamento que coloca a produção da renda de Bilro em risco de extinção. “Nessa região, com mais de cinco mil rendeiras, apenas duas sabiam picar o papelão, que é o primeiro passo na criação deste tipo de renda e o motivo pelo qual as peças produzidas eram tão parecidas entre si, já que elas apenas reproduziam modelos já existentes. Foi aí que percebemos que precisaríamos aprender esta técnica e passar o conhecimento adiante”, explica Carina.

Cooperativas valorizam e regulamentam o trabalho de artesãs cearenses

Processo de confecção da renda de Bilro – Foto: Divulgação

Atualmente, o projeto, que conta com mais de 250 artesãs espalhadas por mais de 20 comunidades da região, oferece oficinas de fluxo de caixa, emissão de nota e aprimoramento de embalagem, vagas de estágio na Catarina Mina para que essas mulheres tenham contato com o cotidiano da indústria e faz conexões entre as lideranças locais e grandes nomes do mercado.

“Nos últimos anos, conseguimos aumentar o preço das peças em cinco vezes, fizemos uma parceria com a marca francesa Anne Fontaine e desfilamos com a Brazil Eco Fashion Week em Milão e no DFB Festival”, lista entre as realizações do projeto.

Cooperativas valorizam e regulamentam o trabalho de artesãs cearenses

Peças criadas pelo projeto Olê Rendeira – Foto: Divulgação

A 54 quilômetros de distância, em São Gonçalo do Amarante, Conceição Juvêncio fundou a ArtFio – Associação de Artesãos de Curral Grande –, com objetivos menos pretensiosos. “Depois de muitos anos morando em São Paulo, voltei para o Ceará e tive muita dificuldade de conseguir um emprego. Em uma visita ao interior, eu e minha cunhada começamos a produzir suportes de mesa em lã para ganharmos nosso dinheiro. Logo, mulheres de Curral Grande, comunidade de São Gonçalo, começaram a nos procurar porque também sabiam fazer crochê e queriam trabalhar com a gente”, conta a fundadora da iniciativa.

Em 2004, a cooperativa conseguiu criar um estatuto e, anos depois, contou com o apoio do Sebrae para se tornar uma associação. Mas, um dos momentos mais marcantes dessa trajetória aconteceu em 2012, quando, depois de conhecer os produtos da marca em uma loja no Rio de Janeiro, Marisa Monte entrou em contato com Conceição. “Ela veio conhecer de perto e esteve na minha casa. Foi ela quem nos apresentou a ideia de cobrir árvores com crochê”, conta a artesã sobre a ação de 2012, quando as árvores coloridas de São Gonçalo do Amarante estamparam jornais por todo o País.

O projeto mais recente do grupo foi a exposição Render-se, em que a Artfio produziu uma instalação com mais de 14 mil flores em crochê no shopping Iguatemi Bosque, em Fortaleza. Conceição conta que ainda há muitos nós nas tramas das crocheteiras. “É uma luta, mas o artesanato traz uma autoestima muito grande; você vê o que faz ganhando forma e isso estimula a continuar”. Vida longa ao handmade!