Ela nasceu em Blumenau, Santa Catarina, onde começou seus estudos de teatro aos 13 anos de idade. De 16 para 17 anos, decidiu ir para São Paulo para aprofundar-se nos estudos. Ficou na capital paulista por quatro anos, e voltou para Blumenau. Daí, quando começou a fazer cinema, sentiu vontade de partir de novo para um grande centro. Foi quando escolheu o Rio de Janeiro, que sempre foi uma paixão, um desejo de morar desde que era muito pequena. “Recentemente eu encontrei uma agenda minha de quando tinha 11 anos, que é a idade da minha filha, e nele escrevi três desejos, um deles era morar no Rio, e cá estou”, diz Paula Braun, 43 anos, atriz, diretora e produtora que está em “Cara e Coragem”, novela das 19h da TV Globo, com a personagem Olívia, ex-bailarina aérea que possui um relacionamento controverso e vem causando diferentes opiniões.
Segundo ela, a preparação para a personagem já começou na leitura, quando percebeu que Olívia era uma mulher que tem um certo humor, uma acidez, uma inteligência. “Mesmo assim ela tem seus os lados errados, é uma personagem complexa. Ela não é uma mocinha perfeita, mas também não é uma pessoa ruim. Foi uma preparação corporal também, pois ela é uma ex-bailarina de dança aérea.
Paula, que e casada com o ator Mateus Solano, com quem tem dois filhos – Flora, de 11 anos, e Benjamin, de 7, e com quem contracenou na novela “Amor à Vida (TV Globo) -, é uma feminista convicta, acha que a presença de mulheres pretas e trans no audiovisual está avançando, mas que precisa melhorar muito mais. “Eu acho que não existe feminismo sem ele ser inclusivo. O feminismo agora é o momento de a gente que é branca dar um passinho para trás e dar espaço para quem está na frente. E quem está na frente, sem dúvida nenhuma, são as mulheres negras, as mulheres trans”, explica.
Com um longa-metragem na manga, “Marinas e Maçãs”, seu projeto para depois do fim da novela “Cara e Coragem”, ela também quer voltar aos palcos. “Quero voltar para os palcos, que faz tempo que não faço teatro, agora que eu voltei a atuar eu não quero parar mais, nunca.”
Leia seguir entrevista que Bazaar fez com Paula via Zoom.
Voltando lá atrás, como começa sua carreira como atriz?
Eu comecei a fazer teatro com 13 anos em Blumenau, no teatro Carlos Gomes, e me apaixonei desde então, sempre foi um desejo meu ser atriz. Depois quando eu terminei o colégio com 17, fui para São Paulo, eu já era apaixonada pelo trabalho do Antunes Filho e queria muito trabalhar com ele. Então eu fiz o Indac (Instituto de Arte e Ciência), que é uma escola do Antunes, e fiquei quatro anos em São Paulo, entre trabalhar, estudar, descobrir minha independência. Chegou um momento em que eu estava trabalhando tanto, como modelo também, fazendo teste para comercial, que me questionei se era isso mesmo o que eu queria quando decidi ser atriz, isso com uns 21 anos, e voltei para Blumenau. Lá, entrei para um grupo de teatro, que é a Companhia Carona de Teatro, que está lá até hoje. A gente fez uma peça, “Os Camaradas”, que foi um enorme sucesso, e estourou no Festival de Teatro de Curitiba. Começamos a receber convites para estrear em São Paulo e no Rio. Ficamos três anos viajando com essa peça, em grandes centros. Aí o Chico Accioly viu a peça, chamou o Heitor Dhalia para ver e eles nos chamaram para fazer cinema, o filme “Nina”. E do “Nina”, o Heitor já me chamou para fazer “O Cheiro do Ralo”, e aí por diante. Eu me apaixonei pelo cinema, pensei “me encontrei nesse lugar”, eu quero trabalhar com isso, tanto faz se for atuando, dirigindo, escrevendo. Foi quando me estabeleci no Rio.
E como iniciou sua carreira como diretora?
Então, foi o cinema. Desde “O Cheiro do Ralo” que eu já tinha essa pulguinha atrás da orelha, eu já havia dirigido algumas coisas no teatro lá em Blumenau. Eu tinha uma ideia, um roteiro, fiz a Escola de Cinema Darcy Ribeiro, aqui no Rio. E aí não parou mais. Tem um roteiro de um filme meu também que foi para o laboratório do Festival Varilux, que é o próximo projeto que eu quero tocar, mas vamos ver como fica esse País, porque por enquanto está difícil qualquer produção.
O que você diria hoje para jovens que querem seguir sua carreira?
Ai, hoje em dia está tão diferente do que quando eu fiz… Hoje em dia você tem as rede para mostrar o trabalho também, e é uma coisa que eu não domino. Então acho que eu mais perguntaria para eles do que indicaria algo, inclusive no mercado de atores… Então eu perguntaria “como é que eu faço para abrir as minhas redes, para ser visto”? Em contrapartida eu diria que não é brincadeira, não é fácil, não é coisa de momento, você vai sofrer muito na sua vida, vai levar muitos nãos, vão ter muitos momentos em que você vai estar por cima, outros não, vão ter momentos em que você vai querer desistir, e se mesmo nesses momentos você quiser continuar, é porque é sua praia.
Você está na novela “Cara e Coragem”, no papel de Olívia. Como surgiu a oportunidade para a personagem?
Foi teste. Me ligaram em 2020, nós estávamos naquele sufoco de pandemia, onde a gente não sabia se ia ter mais teatro ou não, se ia ter vacina, se ia dar certo a vacina, estávamos em uma penumbra. A Bruna Bueno, que montou o elenco, me ligou e disse que tinha um teste para mim, eu fiz em outubro de 2020, e começamos a gravar em janeiro de 2021. Lembro-me que quando veio o resultado, eu estava indo encontrar uma amiga para criar um espetáculo, e pensei “nossa, eu esperei tanto por isso, por uma personagem legal, e tal, não posso perder isso por nada”. Lembro-me que fique muito feliz, e até agora estou.
E como se preparou para o papel? Fale sobre ela.
Já começa na leitura, onde dava para perceber que ela é uma mulher que tem um certo humor, uma acidez, uma inteligência, mesmo assim ela tem seus os lados errados, é uma personagem complexa. Ela não é uma mocinha perfeita, mas também não é uma pessoa ruim. Foi uma preparação corporal também, já que ela é uma ex-bailarina de dança aérea. Lembro-me quando me ligaram dizendo que ela ia dançar, pensei que aos 42, 43 anos ia fazer dança aérea, ou seja, vou me pendurara em uma corda, em uma altura tal para dançar no ar, que loucura. Foi muito metafórico até, essa coisas de a gente se jogar em uma coisa completamente desconhecida. O resto da preparação vem muito dos outros artistas, como a Vitória Bohn, que faz a minha filha, uma menina que chegou cheia de vontade, de fazer acontecer, de dar certo, muito aberta, muito atenta. Estou muito bem cercada de colegas que dão muito de si em cena.
Quais são os próximo projetos depois da novela?
Aí que eu não sei ainda (risos). Estou naquele momento de vamos lá, vai acabar a novela, o que eu vou fazer? Estou vendo o projeto do meu longa “Marinas e Maçãs”, que eu quero colocar em prática, começar produção, captação. É um filme de mulheres que se livram de uma sociedade religiosa, patriarcal. Uma comunidade muito fechada religiosamente falando, onde as coisas vão acontecendo e essas mulheres vão causando uma pequena revolução, que resulta na libertação delas. Só que isso tudo em uma plantação de maçãs… Tem muito a ver com o poder feminino, essa descoberta. Quero ver se consigo tirar esse projeto do papel, que faz mais de dez anos que está ali fermentando. Também quero voltar para os palcos, que faz tempo que não faço teatro, agora que eu voltei a atuar não quero parar mais, nunca. Antes da pandemia eu estava em cartaz com uma peça infantil, que eu fiz pensando muito nas crianças, era sobre os astros, os planetas, as estrelas. Foi uma coisa muito mágica e muito inesquecível para eles.
Como você conheceu o Mateus Solano?
O Mateus eu conheci em um curta que fizemos juntos em 2008, “Maridos, Amantes e Pisantes”. O curta era com o Silvio Guindane, mas ele não pôde, e o diretor me disse que tinha um ator muito bom que ele queria me apresentar. Aí o Mateus, que não era famoso nessa época, apareceu no set e foi isso, assim nos conhecemos. Eu fui passar meu telefone para o Augusto Madeira, que era um outro ator que fazia o curta, nisso o Mateus pegou o telefone e me ligou me convidando para sair, e eu topei, e aí nunca mais anos desgrudamos.
Vocês têm dois filhos, Flora (11 anos) e Benjamin (7 anos), como você divide a vida de mãe e artista?
Ah, como toda mulher brasileira que trabalha e tem filhos. A gente vai tendo que se “virar nos 30”. Todo o tempo que eu tenho livre dedico a eles, porque estão em uma fase muito gostosa e que eu não quero perder. Fazia muito tempo que eu não colocava o meu trabalho no mesmo nível que a minha maternidade, e isso está sendo muito importante para eu me rever como pessoa. Voltar a atuar, estudar, e ver que isso é possível. É importante para que eu seja uma pessoa melhor, uma atriz realizada e, principalmente, que seja um exemplo para a Flora, que é uma mulher, uma menina, para que ela veja como é importante a gente se priorizar.
Como o feminismo se insere na sua vida?
Mesmo que o meu discurso fosse “eu não preciso do feminismo”, ele já estaria inserido. Se estamos votando, falando as coisas, atuando, é por conta do feminismo, por conta de mulheres que vieram antes e abriram mato, e nós estamos aqui abrindo mais mato ainda. Nós vivemos momentos de subida, descida e estamos aí, e nesse momento estamos vendo um grande retrocesso do qual estamos tentando nos libertar. Na minha vida o feminismo está sempre presente, só que agora ele está consciente, eu sei qual é o meu lugar, eu sei o que tenho que falar, o que tenho que fazer e como tenho que educar meus filhos também, para que no futuro isso seja melhor do que é. Muita gente me pergunta: “Como é educar uma menina nos dias de hoje?”, ao que respondo: “Como é educar um menino nos dias de hoje?”. Vamos focar na educação masculina para a gente fugir dos estereótipos de machinho, de que homem não chora, de não sei o quê. Eu acho que o meu feminismo é algo muito ativo, muito presente, muito consciente e muito propagado também.
Você fala que o feminismo é um lugar protagonista das mulheres negras…
Claro, eu acho que não existe feminismo sem ele ser inclusivo. O feminismo agora é o momento de a gente que é branca dar um passinho para trás e dar espaço para quem está na frente. E quem está na frente, sem dúvida nenhuma, são as mulheres negras, as mulheres trans. Hoje em dia eu não imagino qualquer produção sem que 50% das pessoas que trabalham e que atuam sejam pessoas negras e trans. Temos que ter esse olhar, porque até agora se a gente for pensar, as portas estavam fechadas. Mesmo que a maioria das pessoas deste País seja negra, as pessoas assistiam às produções sem sentir falta dessa representação no audiovisual. Então está na hora de a gente reverter isso, está na hora de a gente cobrar essas presenças, de a gente dizer “eu não assisto se não for assim”, “não faço se não for assim”, caso contrário o mercado não vai se abrir. Temos que nos atentar, eu vou a um restaurante e observo quantas pessoas negras têm comendo e quantas têm servindo. “Cara e Coragem” acho que é um exemplo de uma novela inclusiva, tanto na produção, direção, elenco… Mas mesmo assim eu quero mais.
Mas você acha que o audiovisual avançou nesse sentido de privilegiar mulheres pretas e trans?
Eu acho que está avançando, porque ainda falta muito. E não pode ser por cota, tipo vou chamar aquela galera ali para ter no filme, não, tem que ter política publica para que as pessoas tenham formação no audiovisual, formação de diretores, de técnicos, de fotógrafos, de gente que faz as coisas acontecerem. Tem que ter formação, proteção, tem que abrir caminho para que essas pessoas aprendam, se incluam nesse mercado, para que a gente nem precise ter esse papo, para que seja uma coisa absolutamente corriqueira. É uma coisa que precisa ficar batendo para a acontecer, sabe? Se você for ver a história do cinema brasileiro e das personagens femininas, é muito triste o lugar onde elas eram colocadas, para todas as mulheres, sempre sendo a mocinha, sempre sofrendo por homem, sempre como uma protagonista que está correndo atrás de homem. Se você for ver essa história colocando como protagonista a mulher preta, até muito pouco tempo, era em um lugar muito pior, de sempre servir, de sempre estar abaixo, e é muito triste tudo isso. Mas isso é a história deste País. E se a gente não concorda, a gente tem que mudar, e a forma de fazer isso é dando um passo para trás e deixar que elas passem à frente.