
A grife de Stella McCartney, que ilustra esta matéria, é uma das pioneiras na utilização de matérias-primas sustentáveis e que respeitam a cadeia produtiva – Foto: Divulgação
Por Mariana Gatti
Em 1971, em Berkeley, a abertura de um restaurante charmoso e caótico marcou o início da revolução gastronômica. O Chez Panisse, da chef Alice Waters, inaugurava a “Californian Cuisine”. A valorização de ingredientes artesanais, sazonais e a transparência por trás da procedência uniram cozinheiros, clientes e produtores em uma comunidade que ia contra os sistemas globais de cultivo da agricultura moderna – há décadas marcados pela monocultura, uso de pesticidas e exploração de pessoas e ecossistemas. Nascia ali a versão contemporânea do movimento farm-to-table.
Cinquenta anos depois, uma das maiores publicações de moda do mundo está falando de agricultura. O que isso significa? Que essa revolução não pararia na cozinha. Pressionada pelo consumidor consciente que come e também se veste priorizando dinâmicas sustentáveis, a indústria fashion começou a entender que não pode mais tratar suas regiões como zonas de sacrifício, e seus produtores como coadjuvantes invisibilizados pelo mercado.
Segundo a Textile Exchange, mais de 30 milhões de toneladas de fibras têxteis em 2021 vieram da agricultura, entre elas o algodão, o linho e o cânhamo. O Brasil está a caminho de se tornar, em 2024, o terceiro maior produtor de algodão, passando os Estados Unidos. Porém, menos de 1% da nossa produção é orgânica.

A grife de Stella McCartney, que ilustra esta matéria, é uma das pioneiras na utilização de matérias-primas sustentáveis e que respeitam a cadeia produtiva – Foto: Divulgação
Marcas internacionais se movimentam para avançar projetos de agricultura regenerativa na moda. Entre elas, a precursora Patagônia, as do grupo Kering (leia-se Gucci, Saint Laurent e Bottega Veneta), VF (North Face) e, mais recentemente, o grupo Inditex (Zara), que se uniu à Kering para potencializar o Regenerative Fund for Nature. Regenerativo virou a palavra da vez. Suas estratégias, especialmente no hemisfério norte, tendem a focar no “E” do ESG (Environmental, Social and Governance): priorizam práticas e indicadores ligados ao meio ambiente, como solo e biodiversidade.
Por aqui, temos uma realidade poderosa de práticas restaurativas de solo inspiradas em conhecimento ecológico tradicional, que vem desde os povos originários, andando de mãos dadas com o potencial transformador do sistema social atual. Temos no Brasil milhões de agricultores familiares, com força de trabalho e desejo de conhecimento. Muitos deles vivem em áreas ameaçadas por desmatamento e garimpo ilegais. Quando empoderados com ferramentas e oportunidades econômicas, eles são também estimulados a proteger esses locais, e a se tornarem protagonistas não só do movimento farm-to-sew como também da urgente corrida ambiental que as grifes querem liderar.
Exemplo recente dessa experiência, a Singapura, brand de sportswear, uniu-se à Farfarm, consultoria em impacto socioambiental reconhecida por guiar estratégias climáticas a partir de cadeias produtivas regenerativas, para criar uma coleção com agricultores da região do Cariri cearense: a “Regenerativa”. Usando técnicas como diversidade e rotação de culturas, zero agrotóxicos e aditivos sintéticos, e cobertura de solo, a comunidade entra agora no terceiro cultivo de algodão, e dá as boas-vindas para agricultores de comunidades vizinhas. Cataguases e Dalila foram os parceiros têxteis: produziram fio e malhas com peso, estrutura e qualidade pensados para restaurarem em plataformas globais a percepção de responsabilidade das cadeias da moda do País.
A produção da matéria-prima da coleção “Regenerativa” segue os ciclos da natureza de forma holística. Só usa água da chuva e controla insetos indesejados com observação e paciência, sem veneno. Assim como faziam os comensais do Chez Panisse, quem veste as peças da série pode saber o nome de cada agricultor, o que eles colheram naquele ano, como manejaram o terreno e que outras atividades realizaram – como o seu Joaquim, que investiu na criação de abelhas para produção de mel e polinização de espécies nativas. “A agrofloresta ofereceu uma florada mais significativa para os meus apiários. O uso de agrotóxicos na região estava acabando com as abelhas. A agrofloresta orgânica trouxe mais saúde e já vemos que diminuiu o êxodo de abelhas para fora do sistema”, relata o agricultor. Enfim, um lampejo de luz que parece (re)colocar o mundo nos eixos.

