Erika Hilton: “Mandato político é transitório. O que ninguém pode tirar de mim é o ativismo”

Erika Hilton surge nas páginas de Bazaar em clima ballroom. “Entreguei sensualidade e excelência, mas sem vulgaridade”, diverte-se. Pose, carisma e simpatia merecem nota dez na categoria beleza, afinal, são vários os makes e cabelos ao longo do editorial, que reverencia o panteão das cantoras – de Diana Ross a Solange Knowles, irmã de seu ícone-mor, Beyoncé. É de extremos que surge a potência da deputada federal. De um lado, seus discursos militantes cativam, comovem e invariavelmente retumbam dentro e fora da Câmara dos Deputados. Na outra ponta, surge arrasadora em shows e festivais –indo aonde o povo está, como manda a cartilha –, ou na primeira fila de desfiles de moda.

Sua missão é desmistificar a política. Passaram-se quase quatro anos, que parecem décadas pela intensidade de seu mandato, desde que foi eleita a vereadora mais votada na câmara paulistana, em 2020. Dois anos depois, elegeu-se a primeira deputada trans do País. Atualmente, é também a primeira a liderar uma bancada no Congresso. “Cumpro papel importante, um cargo de responsabilidade no Brasil, mas tenho um CPF. Sigo tendo a minha subjetividade e tenho certeza que, por meio dela, tenho quebrado inúmeros paradigmas.” Sua imagem, além de popular, atualiza a política e faz entender que ela pode e deve ser pop. E, com isso, aguça a curiosidade do público jovem e da população das siglas LGBTQIAPN+. “Minha chegada a esse lugar representa os processos desde Xica Manicongo até hoje, passando por tudo o que nós passamos enquanto comunidade.” Isso se chama representatividade.

A dicotomia não se dá apenas nos universos em que circula. Vive entre São Paulo e Brasília. “É uma dinâmica muito corrida: duas casas, dois guarda-roupas, dois tudos. É difícil, mas obviamente estou mais habituada”, frisa. “Estou lidando com mais facilidade. Brasília abraça os políticos. Não tenho sido alvo de tantos ataques ou ameaças de morte, como, por exemplo, na campanha ou enquanto vereadora.” Não pode dizer o mesmo sobre o hate cibernético. “A internet é um pólo de violência e ataque contra minorias sociais e eu ocupo um espaço de destaque e de representatividade como voz dessas minorias. Por consequência, serei atacada. Por isso, é tão importante trabalhar a regulamentação das big techs.” Apesar do turbilhão que enfrenta, ser a primeira em muitos quesitos é motivo de orgulho. Quer ser reconhecida pelo seu diálogo transparente e de portas abertas. “Me coloco como porta-voz no direito das comunidades, e que intersecciona o Brasil que eu quero com a política que acredito. Os interesses da nação que, para mim, são prioritários e importantes. E é essa minha jornada, é esse meu papel.”

Em um mergulho interno, se vê um pouco mais madura, com mais discernimento e certeza sobre as pautas que defende e o caminho político que quer construir. “Depois da tragédia no Rio Grande do Sul, queremos falar de saúde, direito à cidade, diminuição das populações em situação de rua, do enfrentamento à miséria, à fome. Queremos falar de responsabilidade climática, de futuro. Essas são as proposições”, elenca. Erika conseguiu, em seu primeiro ano de mandato, aprovar uma política nacional para a população em situação de rua, visando o acesso ao trabalho e renda. “Permaneço ativista, acreditando, lutando, brigando e defendendo uma causa de vida, que me move e acredito. Mandato político é transitório. Ou pelo menos deveria ser. O que ninguém pode tirar de mim, ou escolher se eu mereço ou se eu devo estar, é o ativismo.” A luta é motivação. “Somente lutando consigo construir dignidade, um mundo e um lugar melhor para as pessoas.”

Entre reuniões, sessões e compromissos do meio político e fora dele, tenta fechar a equação para que o autocuidado não se perca. “Sem saúde, sem corpo físico disponível, não tem luta, construção nem trabalho.” A terapia tem sido aliada nesse processo de autoconhecimento e amparo. “Tenho buscado me escutar, me ouvir, me descobrir… Encontrar respostas às minhas angústias, meus traumas.”

Na companhia do namorado, o fotógrafo Daniel Zezza, desliga o celular para viver tempo de qualidade acompanhada de dramalhões e outras novelas bobinhas. “Não gosto de assistir filmes profundos, porque já penso tanto, trabalho tanto que, quando posso, deixo esse momento para ver alguma coisa em que me sinto mais calma, relaxada e desligada.” Dia desses discutiam sobre se mudar para um apartamento “enorme”, morar juntos… “Compartilhamos uma visão de que o casamento em si, a palavra, representa mais motivo de destruição do que de edificação.” Não há combinados preestabelecidos. Conseguiu equilibrar tanto a rotina difícil de ficar longe quanto a exposição pública. Como maternidade não está nos planos por enquanto, contenta-se em paparicar o sobrinho que acabou de nascer. Erika Hilton reverencia o passado, acredita que o presente já é melhor do que antes. E tem certeza que o amanhã vai ser ainda melhor. “Mais digno, mais possível, mais palpável do ponto de vista da humanidade para todos nós.” A rota pode desviar, mas ela não pretende ficar perdida no meio do caminho.