Por Alvaro Leme
Ao som dos acordes iniciais de O Tempo Não Para, um adolescente magrinho surge no palco todo de branco, faixa na cabeça, claramente caracterizado para interpretar Cazuza. A plateia berra os versos junto com ele diante de um pedestal vazio – estamos em uma singela produção escolar, então restou à imaginação do público completar mentalmente a ausência de um microfone. Um daqueles feitiços do teatro, capaz de fazer os olhos verem o que o coração sente. E talvez tenha sido, de fato, um momento mágico. Porque a experiência diante dos holofotes encantou Gabriel Leone, então com 13 para 14 anos. “Senti um prazer que nunca tinha experimentado e que até hoje se repete. Gostei da luz quente no meu rosto, de sentir que estava fazendo algo que gerava impacto”, diz ele sobre a profissão que confere às pessoas a bruxaria de se transformar em outras.
O curioso é que, no caso dele, muitas dessas pessoas eram – a exemplo do Cazuza – figuras amadas pelos brasileiros. Ele interpretou Roberto Carlos duas vezes, por exemplo. A primeira vez no musical Chacrinha, depois, no filme Minha Fama de Mau, cinebiografia de Erasmo Carlos. Também nas telonas, deu vida ao personagem-título de Eduardo e Mônica, inspirado no sucesso da Legião Urbana. “Até hoje puxam papo comigo na rua usando versos da música”, comenta. Agora, surge como Ayrton Senna, herói nacional que emocionou o país nas corridas de Fórmula 1 até sua morte trágica numa competição, em 1994. “Todas as experiências e personagens que vivi me ajudaram, de alguma forma, a estar preparado para dar conta do Senna.” Gabriel encarna o esportista em uma série que vai contar sua vida em seis episódios, com direção de Vicente Amorim, produzida pelos irmãos Fabiano e Caio Gullane. É uma superprodução que levou dez anos entre a ideia inicial e a estreia no dia 29 deste mês, na Netflix, e envolveu 231 atores em seis meses de filmagem entre Brasil, Argentina, Uruguai, Reino Unido e Mônaco.
Atores costumam dizer que bons papéis são “um presente”, mas aqui não tem como falar outra coisa, dada a importância do piloto para o País – apenas para situar as pessoas mais jovens, vamos dizer que Senna recebeu do Brasil um amor similar ao que hoje é destinado [com toda razão] à ginasta e recordista de medalhas olímpicas Rebeca Andrade. “É uma responsabilidade enorme. O maior desafio da minha carreira”, afirma Leone. Além da relevância, devido ao fato de que boa parte de sua trajetória foi documentada, registrada e transmitida pela mídia. Segundo o ator, a produção mostra o homem por trás do mito. “Como ele se sentia antes de uma corrida? O que falou em um telefonema para mãe? Como ficou quando chegou em casa depois de uma competição e encontrou a irmã? Tudo isso é um dos trunfos da série.”
Aos 31 anos, Leone é um dos atores mais bem-sucedidos de sua geração, com uma carreira que concentra trabalhos de grande visibilidade. Entre aquela estreia no palco do Colégio Marista São José e participações em filmes como Ferrari, de Michael Mann, e a série Citadel, do Amazon Prime, foram 17 anos. Quase vinte para transitar da Tijuca para o mundo, portanto. Sempre com muitos papéis: viveu um vilão em Malhação, esteve em produções de peso como as séries Os Dias Eram Assim e Onde Nascem os Fortes, além das novelas Verdades Secretas e Velho Chico. Mas o glamour de estar na Globo foi alternado com fases em que fazia duas peças ao mesmo tempo, batalhando para encher os teatros em um espetáculo infantil durante a tarde e um texto de Nelson Rodrigues à noite.
A dedicação ao ofício garantiu a Leone reconhecimento dos fãs, da crítica e dos colegas – tríade que é o sonho de qualquer ator. Mas ele conquistou algo mais raro, sobretudo nesses tempos em que expor a própria vida na internet deixou de ser exceção para se tornar o comportamento esperado: estar no olho do público, desempenhar um trabalho de grande visibilidade, mas sem que as pessoas saibam muito de sua vida pessoal. Em maio deste ano, casou-se com a atriz Carla Salle em uma cerimônia reservada para família e amigos. Os dois estão juntos há oito anos e têm em comum uma aura de simplicidade chique, tipo the people next door, sobre quem dá vontade de saber mais e de ser amigo. Quando a conversa passa pela vida do casal, ele responde apenas que “cuida da intimidade com carinho.” Fala isso com gentileza. Talvez seja esse um dos traços mais marcantes de seu modo de se portar. “O que faz eu perder a paciência é a falta de educação. Meus pais foram muito rígidos nesse aspecto, de prestar atenção, segurar uma porta, respeitar uma fila. Estou longe de ser perfeito, mas busco ao máximo tratar as pessoas bem.”
Desde os tempos da pandemia, o ator vem se concentrando também em tratar bem a si mesmo. Na época, teve um pico de ansiedade que o fez ver que precisava de terapia – algo que faz uma vez por semana até hoje. “É um mergulho individual, um processo revolucionário. Quando você se conhece melhor e se enxerga, consegue se relacionar com os outros de forma mais saudável.” Leone não se cobra muito, não faz metas muito concretas para sua vida profissional. Tudo aponta, no entanto, para uma intensificação dos ventos que o levam para fora do Brasil. Será que é o destino? Começamos este texto falando de magia, e nosso entrevistado é místico, sim. “Sou espírita, da Umbanda, filho de Ogum com Iemanjá”, define-se. Para ele, algumas coisas na vida acontecem porque têm que acontecer. O que não quer dizer que seja o caso de ver o futuro repetir o passado, como a canção do abre. “São pontos que se alimentam a partir da dedicação, de correr atrás e criar as oportunidades para você. Quem move a vida é a gente.”