
Por Juliana Resende
IMAGINE SEU AMIGO mais famoso lhe convidando para acompanhá-lo numa turnê com sua banda, viajando de Londres a Nova York de navio (primeira classe), depois a Los Angeles, San Francisco, Canadá, Havaí e Japão, velejando? A viagem continuaria até a Sibéria–a bordo do mítico Trans-Siberian Express, o trem que atravessa a Rússia e vai até a Coreia do Norte, passando pela China. Foi cruzando os 9.300 km da ferrovia mais longa do mundo que o fotógrafo Geoff MacCormack clicou algumas das fotos mais intimistas de Bowie já vistas pelo público – as únicas, aliás, que o próprio Camaleão autografou pouco antes de morrer.
Essas imagens (seis ampliações ao todo) – precioso registro de um improvável, exótico e fabuloso diário de uma viagem realizada pela dupla em 1973 – vão a leilão em 28 de junho na Bonhams, em Londres. Façam suas apostas.“David sugeriu tomar o trem porque detestava voar”, conta a produtora Susie Howard, que trabalha junto ao fotógrafo no projeto.“Viajamos no luxuoso SS Camberra. Foram sete dias de relax, comendo, bebendo e dormindo. O tempo pareceu parar e até o chá da tarde se tornou um evento”,recorda-se MacCormack. O objetivo de Bowie, que já havia ido aos Estados Unidos de navio, em 1972, era passar o 1o de Maio em Moscou.

O primeiro set de imagens mostra um Bowie em grande forma, em momentos privados e posados. A qualidade das fotos e a cumplicidade entre o astro e a lente de MacCormack impressionam. Coisa de amigos. “Geoff era um dos mais chegados de David, até seus últimos dias”, conta Susie. “Conheci David na escola, quando nós tínhamos 8 anos de idade. Cantamos juntos no coral (as pessoas, incluindo David, achavam minha voz bonita), e éramos escoteiros. Eu sabia que David tinha problemas de coração, mas não tinha ideia de que ele estava tão mal”, diz MacCormack. A forte amizade dos dois seguiu duradoura. Na adolescência,Geoff era um aspirante a cantor, mas estava longe da carreira artística.Vendia anúncios para um jornal de construção,em Londres, enquanto David Jones já tinha uma banda (The Spiders From Mars), para a qual convidou o amigo a integrar cantando, dançando e tocando percussão. Ele aceitou, batendo concorrentes como Marc Bolan, o mago do glam rock e vocalista do T-Rex. Em semanas, Geoff já estava navegando com Bowie para Nova York. Ele levou sua câmera com a despretensiosa intenção de registrar a aventura.“Nunca quis ser fotógrafo e nunca imaginei que minhas fotos teriam tanto valor. David as assinou generosamente, quando resolvi colocar meu site no ar. Um presente de amigo para amigo.”

O resto é história.Algumas dessas fotos já viraram um livro, publicado em 2007, com prefácio by David Bowie. Sob o nome artístico de Warren Peace (enquanto Bowie preferia ser Oscar Wilde em seu teatro imaginário), Geoff atuou como backing vocal do cantor entre 1973 e 1976, excursionando e gravando cinco discos – de Aladdin Sane a Station to Station –, e presenciando a melhor e mais teatral fase de Bowie. A dupla se divertia tanto na estrada, comendo caviar de colher a bordo do Transiberiano, quanto em noitadas em casa, geralmente no Groucho, o londrino clube privê. O trabalho como fotógrafo de Geoff, também produtor e escritor, acabou tornando-se mais relevante especialmente após a morte de Bowie. Ironias do destino.