
Dandara Ferreira assina a direção da cinebiografia Meu Nome É Gal | Foto: Divulgação
por Duda Leite
Ninguém estava preparado para a notícia da morte da cantora Gal Costa, aos 77 anos, em novembro do ano passado. Entre aqueles que ficaram sem chão estava a diretora Dandara Ferreira, que assina a direção da cinebiografia Meu Nome É Gal ao lado de Lô Politi, que ganhar as telonas nesta quinta-feira. “O filme foi feito para ela curtir. Ela nunca viu nada, queria que fosse uma surpresa”, conta a diretora via Zoom de Brasília. Natural de Salvador, Dandara morou na cidade até os 7 anos, quando seus pais – o ex-ministro da cultura Juca Ferreira e a fotojornalista Holanda Cavalcanti – se separaram.
Aliás, foi justamente nesse momento delicado que a pequena Dandara ouviu pela primeira vez aquela voz cristalina que marcaria sua vida para sempre. “Minha família sempre foi muito musical, principalmente meu pai. Quando eles se separaram, a trilha na minha casa era a Gal. Meu pai ouvia muito Hotel das Estrelas do Macalé, do álbum Fatal. Essa música sempre esteve muito presente pra mim. Gal era a cantora favorita do meu pai”. Após a separação, Dandara mudou-se com a mãe para Florianópolis. O acordo inicial era morar um ano com cada um, entre Florianópolis e Salvador. Chegou em São Paulo aos 12 anos, cidade onde vive até hoje. Seus principais interesses eram o cinema e a política. Acabou optando por estudar cinema na FAAP. “Quando era pequena, queria ser a Daniela Mercury”, revela. “O teatro sempre esteve presente na minha vida”. Porém, desde que começou a trabalhar no audiovisual, sua trajetória tem sido muito mais atrás das câmeras. Mas, aguardem, existe um plot twist.
Durante a época na FAAP Dandara aproveitou para ler, estudar e assistir a muitos filmes. Foi lá que descobriu outro baiano famoso, o cineasta Glauber Rocha. “Me apaixonei por sua linguagem, pelo seu discurso. Percebi que fazer cinema é fazer política de outra forma”. Apesar de morar na capital paulista desde os 12 anos, a Bahia não sai da sua cabeça. “Como diz o (Gilberto) Gil: “a Bahia me deu régua e compasso”. A Bahia pra mim é muito forte. Minha família inteira mora lá. É minha fonte, meu referencial. Amo São Paulo, mas para mim aqui é um lugar de passagem. Eu transpiro a Bahia”.

Sophie Charlotte foi a escolhida para a missão de interpretar Gal | Foto: Divulgação
Seu primeiro encontro com Gal Costa aconteceu em 2011, através de um amigo em comum, Caetano Veloso. Foi na época do álbum Recanto, produzido pelo próprio. Era mais um momento de reinvenção de Gal. “Caetano me disse que ia jantar com Gal e eu desmarquei tudo para ir com eles. Fui lá conhecê-la, embora ela não tenha me dado a mínima (risos). Gal era muito tímida e desconfiada”. Mas, aos poucos, aquela menina baiana que sabia tudo sobre sua carreira foi conquistando a confiança da cantora. “Eu ia em todos os shows, e ela começou a se lembrar de mim e a se conectar comigo. Sabia que eu era uma menina muito jovem que tinha um grande conhecimento sobre sua obra. Eu tinha um olhar anacrônico sobre a história dela. Ela estava justamente se reconectando com esse público mais jovem.”
Surgiu uma amizade potente e Dandara partiu em uma missão para convencer a cantora a fazer uma série documental sobre sua carreira. “Achava que tinha que ter uma obra audiovisual sobre ela. Sobre Bethânia havia várias, Gil e Caetano, também, mas Gal não. A princípio, ela não tinha muito interesse. Ficava muito preocupada de que forma aquilo iria invadir sua intimidade”. Até que a cantora finalmente aceitou o convite em 2016. O resultado foi a série O Nome dela é Gal exibida pela HBO.
Logo após essa experiência, surgiu a ideia da cinebiografia. Curiosamente, Gal aceitou na hora. “É um recorte sobre uma mulher que revolucionou costumes, não através do discurso, mas através do corpo e da voz. Uma mulher tímida que passou de um registro mais baixo, bossanovista, para uma forte influência do rock em que ela gritava para poder se expressar. Principalmente contra a ditadura. Gal era um corpo político e estético”. O filme começa em 1967, em plena efervescência do movimento Tropicalista, logo após Gal se mudar para o Rio. A co-diretora Lô Politi contou que “dirigir em dupla não é fácil, mas nesse caso as dificuldades enriqueceram o resultado. Tratamos de um movimento cultural muito rico, que foi a Tropicália. Mergulhamos fundo nessa pesquisa para poder fazer direito”.

Sophie Charlotte foi a escolhida para a missão de interpretar Gal | Foto: Divulgação
Sophie Charlotte foi a escolhida para a missão de interpretar Gal. “Sophie veio no ponto inicial do filme. Não era uma escolha óbvia. Fisicamente elas não são parecidas, mas Sophie é uma grande atriz. Quando contei para a Gal sobre Sophie, ela adorou a ideia e disse que a atriz tinha um timbre próximo ao dela. Gal havia visto a participação de Sophie no especial de Roberto Carlos, e afirmou certa vez: “Ela tem uma doçura no olhar que eu também tenho.” No verão de 2019, Sophie e Dandara foram passar férias em Salvador para uma imersão na cultura baiana. “Foi incrível. Ela se jogou, sem marido, sem filhos. Aproveitou tudo, conheceu todo mundo”, conta a diretora.
Após escolher os intérpretes de Caetano (Rodrigo Lelis), Gil (Dan Ferreira), e Gal, faltava alguém para incorporar Maria Bethânia. Lembram do plot twist? Após testar inúmeras atrizes e cantoras do país, foi a própria Dandara quem ficou com a missão de viver Bethânia. “Nunca me achei parecida com Bethânia. Sempre me achei mais parecida com a Gal. Até que durante um ensaio, a Chica Carelli, que faz Dona Mariah, mãe de Gal, me perguntou: “Cadê a Bethânia?”. “Não tem”. Ela disse: “tem sim, e está aqui”, apontando para mim. Cheguei em casa e comecei a pesquisar loucamente. Fui percebendo que nós éramos mesmo muito parecidas. Mostrei uma foto da Bethânia para meu pai e ele achou que era eu. Até que decidi que quem iria eternizar aquele amor e aquela amizade da Gal era eu”.

Sophie Charlotte foi a escolhida para a missão de interpretar Gal | Foto: Divulgação
Entre as principais referências de Dandara estão a fotógrafa norte-americana Vivian Maier e a cineasta francesa Agnès Varda. Curiosamente, ambas têm em comum o fato de se colocarem na frente das câmeras. Durante a entrevista, Dandara tem um insight: “Sempre achei que minha conexão com Vivien era porque minha mãe era fotógrafa. Falava sobre isso na terapia. Agora estou entendendo que talvez tenha alguma outra coisa aí”.
Seu próximo projeto, o documentário “De quem é a culpa?”, filmado durante a pandemia, traz a diretora de volta ao mundo da política ao tratar sobre a forma como o governo anterior lidou com a crise. O personagem principal é o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Foi muito difícil conseguir gravar depoimentos. As pessoas ficavam com receio de ter seu nome atrelado ao projeto”. O plano é lançar o filme em 2024. Enquanto isso, Dandara espera que a lei da cota de tela para filmes nacionais seja aprovada logo. “É preciso dar ao público mais opções, e que a gente não fique só à mercê da hegemonia de filmes americanos”. Como dizia a canção: é preciso estar atento e forte.