Foto: Nicolas Gondim

O olhar do fotógrafo Nicolas Gondim, de 50 anos, foi treinado para capturar momentos na moda, seja em revistas (com bastante experiência em produção executiva), campanhas publicitárias, street style ou passarelas e, nos últimos anos, mergulhou a fundo e com passe livre pelos bastidores do DFB Festival, na capital cearense.

Desde os 18 anos, sempre gostou de retratar o jeito como as pessoas se vestem. Em uma viagem da natal Fortaleza à Praia de Peroba, em Icapuí, viu seres mascarados à beira da estrada quando parou para registrá-los. Míticos e com “roupas estranhas”, chamaram sua atenção naquele 2005 – eram os Papangus, personagens tradicionais que surgem nos festejos de Páscoa para assustar as pessoas.

Foto: Nicolas Gondim

Antigamente, saíam em busca de prendas ou pedindo um prato de angu, comida típica da culinária brasileira. Ao longo dos anos, Gondim passou a fotografá-los com assiduidade por pura curiosidade e prazer. O hobby virou linha de pesquisa premiada, foi tema de diferentes exposições e em breve deve ser documentado em livro – todo ano, uma média de 30 a 40 personagens entram para o portfólio, de incontáveis imagens. “Meu recorte é na produção da indumentária, uma coisa meio naïf, pois eles não têm informação de moda, mas, aquilo pra mim, acaba sendo uma imagem fashion”, conta à Bazaar. “Tenho muita coisa separada, esperando para fazer livro e exposição, pois é uma tradição que está desaparecendo”.

As lembranças desses “bichos-papões” no imaginário de Gondim surgiram na primeira infância, quando viajava pelo litoral do Ceará com os pais, mas tinha um certo medo, como quase toda criança tem dessas criaturas. As fotografias, clicadas ainda em formato analógico naquele início, foram feitas no caminho de Beberibe, em Sucatinga (CE), quando passou a investigar mais a fundo quem eram aquelas pessoas e o motivo de se arrumarem assim. “Notei que toda Páscoa eles começavam a aparecer, normalmente na Sexta-feira da Paixão e no Sábado de Aleluia. O que me chamou a atenção nos Papangus da Peroba é que eles mesmos faziam as próprias máscaras”, complementa sobre a tradição que perdura até hoje.

O diferencial deles para outros Papangus é que, embora também haja a montação, usam o upcycling (termo tão difundido na moda, que tem por regra a reutilização de materiais para confecção de novas peças). “Eles fazem com o que têm, são fantasias com lixo reciclável ou badulaques que guardam”.

Foto: Nicolas Gondim

Preocupado com uma “indústria que vai colocar cada vez mais roupas no mundo”, na Páscoa de 2019, Gondim criou um mutirão de limpeza na praia da Peroba junto ao seu irmão, o designer Érico Gondim e, com o lixo que recolheram, organizaram uma oficina de máscaras para as crianças da comunidade, mostrando que era possível produzir artefatos a partir desse descarte.

Tal ensaio foi visto pelo amigo e designer Dudu Bertholini, que os convidou para uma oficina de Papangus na Usina de Arte, no interior de Pernambuco, junto com Gama Higai e a estilista pernambucana Xuruca Pacheco, em novembro daquele mesmo ano. “Foi uma explosão de universos e de convergências, poder falar de identidade através da vestimenta. Ele, com um registro divino dos Papangus, seu irmão, mestre da arte, do artesanato, e Xuruca, rainha do upcycling. Uma combinação de todas as traduções possíveis do design brasileiro contemporâneo. Muito forte e incrível”, recorda Bertholini.

Esse “super styling”, que mistura elementos e camadas de roupas mesclados ao zentai (roupa rente ao corpo com status de fetiche), dão o tom de sua fotografia. Pessoas comuns, olhando para si, em um mergulho na tradição é o que faz do trabalho dele ganhar tom artsy com aspiração a campanhas de moda, valorizando uma estética própria com a ajuda das comunidades por onde passa. Para Gondim, eternizar esses momentos é levar essa tradição adiante sem se perder no tempo.