
Ingrid Guimarães usa vestido Lenny Niemeyer e sapato Sportmax – Foto: Bruna Castanheira, com direção criativa de Kleber Matheus, styling por Antonio Frajado, beleza por Silvio Giorgio com os produtos Dior Beauty e Keune Haircosmetics, set design João Arpi, direção de arte Yasmin Klein, retoque Helena Colliny, coordenação Mariana Simon (KM Studio), produção executiva Zuca Hub, produtora responsável Claudia Nunes, produção de moda e assistente de styling Duda Zanetti e Luiza Bichir, assistentes de foto Marina Toledo, Caio Porto e Kaique Fonseca, assistente de beleza Júlia Boeno, assistentes de set design Joacy Bastos, Carlos Eduardo e Felipe Andrade, assistentes de produção Caio Nogueira, Júnior Costa e Alecssander Mendonça, camareira Priscila Dreger e manicure Sônia Lima
Na TV e no backstage, Ingrid Guimarães e Mônica Martelli aprenderam a andar juntas como se fossem uma dupla de prova de figurino: uma aponta o caimento, a outra puxa o zíper da realidade. Conheceram-se nos corredores do trabalho, viraram parceiras de projetos e, antes que percebessem, já dividiam roteiros, freelas de última hora e memes de madrugadas. É dessa cumplicidade que saem as melhores cenas: um guarda-roupas cheio de histórias e a certeza de que rir é o look que nunca sai de moda.
Essa relação se fez no tempo (e aos trancos). Em meio às estreias, campanhas e viagens, elas mantêm um pacto de cuidado que não é acessório, é estrutura. Quando Ingrid sustenta que humor é inteligência e militância, Mônica dá lastro e lembra os “nãos” que ouviram e celebra cada nova empreitada.
Agora, Ingrid chega com o filme “Perrengue Fashion”, comédia que usa o universo da moda como pano de fundo para discutir o pertencimento e a potência de consumo da geração X. Desse enredo, nascem histórias que viram memórias. No fim, fica o essencial: humor como língua franca e pertencimento como prática cotidiana. Entre risos e referências, a dupla celebra a amizade e a moda do jeito que ela veste melhor.
Mônica Martelli – Você já levou a comédia para muitos lugares. O que a atraiu na moda para fazer “Perrengue Fashion”?
Ingrid Guimarães – A moda é um mapa de desejos – e desejo move um personagem. Quis mostrar esse universo sem caricatura. Trouxe gente de moda para perto e cuidei do figurino, da imagem e do set com rigor. O humor entra como lente, não como deboche: ele aproxima, conversa, dá timing ao que poderia ser apenas vaidade.
MM – Qual foi o maior perrengue fashion fora das telas?
IG – A saga da devolução internacional. Comprei online, metade não serviu, e aí começa a via-crúcis: imprimir etiqueta, achar um FedEx no meio de agenda de entrevistas, pedir ajuda para quem estiver por perto. Teve maquiadora que virou “gráfica” por um dia e até showroom que me salvou com a impressão. Ali, entendi que, por trás do look, existe uma logística que ninguém mostra – e que rende ótimas cenas.
MM – Teve mais algum que viraria cena sem mudar uma vírgula?
IG – Dois clássicos. Em uma premiação, vesti o decote das costas na frente e percebi sentada – peito quase todo à mostra. A lição veio imediatamente: respeitar a instrução do Antônio Frajado, meu stylist, e a boa e velha fita dupla face. Em Nova York, montei um look perfeito e faltou o sapato certo; peguei um par na loja, fotografei e devolvi, rezando para a política de “money back” não mudar na hora.
MM – Que reflexão importa nesse filme?
IG – Pertencimento. A pergunta é: quem pode ocupar este espaço e em que condições? Tem uma cena no programa da Blogueirinha tirando sarro de influenciadora 50+ e eu devolvo com outra questão: existe idade para influenciar? O Brasil está envelhecendo e as mulheres consomem com critério.
MM – O que foi mais desafiador: rir de si mesma ou traduzir um universo que muita gente acha distante?
IG – Equilibrar os dois. Precisei rir de mim para abrir caminho para o público e, ao mesmo tempo, construir um ambiente de moda crível – marcas reais, revista de verdade, linguagem correta. Foram meses negociando a presença e o modo de aparecer. Quando a moda é tratada como personagem, não cenário, o humor cresce junto.
MM – Vida paralela: estamos criando adolescentes. O que a maternidade tem ensinado a você?
IG – A Clara me mostra que dá para ser objetiva e doce ao mesmo tempo. Ela já vem com debates atualizados – feminismo, respeito, diversidade – e me cobra coerência, o que é ótimo. Também aprendi a não aceitar a culpa automática: falho, ajusto e sigo. É a maternidade possível, não o panfleto da perfeição.
MM – Ser mãe de adolescente também passa por moda e internet. Que trocas vocês têm?
IG – Ela me apresenta referências novas e, quando exagero, me puxa de volta para o básico com uma elegância cirúrgica. E eu ofereço filtros: o que é só tendência e o que vira repertório. No meio disso, brigamos pelo mesmo moletom e fazemos as pazes comentando um look no espelho.
MM – Onde você equilibra a liberdade de artista com a presença como mãe?
IG – Em duas frentes: organização e franqueza. Eu trabalho muito, mas ligo, acompanho, levo quando posso e desmarco quando preciso. A presença não é contagem de horas, é qualidade de vínculo.
MM – A amizade é um dos temas do filme – e da sua vida. Qual é o papel dessa rede agora?
IG – Estrutura. Amigas lembram quem eu sou quando o dia está torto e celebram quando dá certo. É uma engrenagem invisível que segura a gente, nossa autoestima e os “nãos” que a gente ainda leva.
MM – Essa rede de mulheres se fortaleceu com o tempo?
IG – Muito. A indústria tenta nos colocar em disputa, mas escolhemos parceria. Quando uma conquista a capa, campanha ou desfile, abre precedente para as outras. Essa política do ombro compartilhado tem efeito real de carreira.
MM – Houve momentos em que a amizade salvou o dia?
IG – Vários – do “me ajude agora com o look” ao “fique ao telefone até eu respirar”. Parece pequeno, mas muda o tom da jornada.
MM – Você tem mais de três décadas de estrada. Como é olhar para trás e perceber o que o mudou?
IG – O humor foi meu passaporte e meu GPS. Com ele, atravessei mudanças de TV, de mercado e de internet sem virar refém de modinhas.