Por Duda Leite
“Tudo que sempre desejei foi criar as roupas femininas mais belas que já existiram”, declarou o estilista Christian Dior, em uma coletiva de imprensa, após lançar a primeira coleção de sua recém-inaugurada maison, na Paris do pós-guerra, em 1947. A coleção, que trazia entre outros o histórico vestido The Bar Suit, foi batizada de The New Look, por Carmel Snow, a toda-poderosa editora at large da Harper’s Bazaar, uma referência aos looks vanguardistas.
O título da nova série da Apple TV+ (que chega à plataforma nesta quarta-feira, 14 de fevereiro) pega emprestado o nome da coleção de Dior. “The New Look”, criada por Todd A. Kessler, recria, com requinte histórico, a cena dos estilistas que estavam se destacando durante um dos períodos mais dramáticos da história da França: a ocupação nazista durante a Segunda Guerra. A série torna visíveis as complexas relações entre moda e política.
Duas das principais figuras do mundo fashion aparecem em contraponto, em diferentes momentos de suas carreiras. O já citado Christian Dior (interpretado com elegância discreta pelo australiano Ben Mendelsohn) e uma das figuras mais influentes da história da moda, a estilista “Coco” Chanel (interpretada pela francesa Juliette Binoche). Enquanto Dior vivia seu ápice criativo, Chanel estava mergulhando em uma fase de ostracismo. A série se concentra na rivalidade entre os dois. Quem espera apenas um desfile de looks deslumbrantes terá uma surpresa: Kessler foca no momento mais escuro da vida de Chanel, seu affair com o attaché da embaixada alemã e espião nazista, barão Hans Günther von Dincklage, mais conhecido como Spatz (interpretado pelo dinamarquês Claes Bang), e sua colaboração com o regime de Hitler.
Chanel queria proteger seu sobrinho, André Palasse (Joseph Olivennes), que fazia parte da Resistência e havia sido enviado a um campo de prisioneiros. André seria libertado caso Coco aceitasse trabalhar como espiã para os nazistas. Ela aceitou e ganhou, inclusive, um número de identificação, F-7124, e um codinome: Westminster. Ao final da ocupação, em 1944, teria contado com a ajuda de seu amigo, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, para salvá-la da prisão, apesar da informação nunca ter sido confirmada.
Dior não chegou a colaborar com o regime nazista, porém, muito a contragosto, desenhava vestidos para as esposas dos oficiais alemães. Naquele momento, elas eram as únicas clientes que podiam arcar com os custos elevados. Antes de abrir sua própria maison, Dior trabalhava para o poderoso couturier Lucien Lelong (interpretado com uma dose exata de nonchalance pelo ótimo John Malkovich).
Dior também tinha um motivo pessoal para se revoltar contra o regime nazista: sua irmã, Catherine Dior (interpretada por Maisie Williams, de “Game of Thrones”), era uma das figuras mais atuantes da Resistência Francesa. Catherine foi presa e enviada para o campo de concentração de Ravensbrück, o que causou uma imensa angústia em Dior. O perfume Miss Dior foi criado em homenagem a ela e evocava dias mais felizes antes do início da guerra.
Carmel Snow, que foi editora da Bazaar entre 1934 e 1958, é interpretada por Glenn Close. A personagem só surge no oitavo episódio, mas sua importância na história fica evidente quando ela decide fazer um perfil de Dior, consagrando o estilista como o grande nome da moda francesa do pós-guerra. Para os loucos por moda, o quarto episódio é um deleite. É a história por trás do Théatre de la Mode, uma exposição de pequenos manequins fabricados com arame, que exibiu no Museu do Louvre, looks desenhados por 60 couturiers franceses, entre eles Nina Ricci, Balenciaga, Hermès, Jeanne Lanvin e Pierre Balmain, além de cenários criados por Jean Cocteau. A ideia era demonstrar a força e a potência econômica e cultural da indústria da moda francesa no pós-guerra, mesmo com a escassez de materiais para que os estilistas criassem suas peças. A exposição abriu no Louvre, em 28 de março de 1945, e foi um enorme sucesso, arrecadando um milhão de francos para os sobreviventes da guerra e trazendo de volta a esperança para a indústria da moda.
“The New Look” é programa obrigatório para entender um dos momentos mais dramáticos da história da moda e da cultura francesas.