Por Tetê Laudares
“Estas botas são feitas para andar” – Nancy Sinatra sabia bem do que estava falando quando cantou o hit nos anos 1960, como se já previsse o futuro. Hoje, as over the knees (ou cuissardes, na moda francesa) fazem sucesso, mas o cano alto já está pelas ruas há séculos. Aliás, é parte de um imaginário lúdico: quem nunca viu o conto de fadas do Gato de Botas, de 1550? Ou os estilosos mosqueteiros, que viraram protagonistas de Dumas, em 1844? Todos já estavam na tendência! A imperatriz da Rússia, Catarina, a Grande, tinha várias no armário, que usava para cavalgar quando lançou a moda masculinizada entre mulheres que buscavam uma imagem de coragem e poder. Mais tarde, Julia Roberts, no papel de Uma Linda Mulher (1990), faria do item ferramenta de sedução.
No cinema, foi a constatação de um figurino que, ao longo do século 20, viveu diversas revoluções. Cristóbal Balenciaga já era adepto do modelo em 1962, quando lançou uma versão com o designer René Mancini, seguido por Yves Saint Laurent em parceria com Roger Vivier. Ainda nas telonas, seria Jane Fonda a lançar o look futurista com uma criação envernizada de Paco Rabanne, no longa Barbarella (1968). Para o clima chuvoso na Londres dos Swinging Sixties, as botas compridas foram um sucesso. Em Paris, eram o match perfeito para as minissaias e minivestidos que também ganhavam força entre a juventude. Foi um momento único, que inspirou as aventuras no prêt-à-porter por maisons conceituadas, como Dior, que inaugurou a linha Miss Dior em 1967 e que, agora, inspira a nova temporada da casa. Na virada da década, o futurismo deu espaço para o boho, que não quis abandonar a over the knee. Agora mais suavizada, em materiais como a camurça, o estilo conquistou uma nova geração entorpecida. Nos festivais, as botas eram o must.
O ritmo ficou e a moda perdura: na estreia de Chemena Kamali na Chloé (Outono/Inverno 2024), os 70s de Karl Lagerfeld na marca francesa foram o fio condutor, em que amazonas neorromânticas deram novo fôlego para as cuissardes. Depois dos anos 1980 e o frisson pela estética dos piratas, os anos 1990 dividiram o minimalismo com pinceladas de nostalgia. Lagerfeld, já na Chanel, gostava de olhar para o século 18 em busca de referências na cavalaria, uma prática que Nicolas Ghesquière aproveitou no Y2K para criar a silhueta de sua guerreira urbana na Balenciaga. Na mesma era, Alexander McQueen, John Galliano, Christian Louboutin, Manolo Blahnik e Sergio Rossi também apostaram no cano alto em seus próprios repertórios criativos, com saltos e materiais repensados para encaixar em suas estéticas particulares. Alguns, elastizados, ressignificaram as over the knees como segundas peles e até armaduras. Hoje, as botas altas estão em alta, mais do que nunca. Transgressoras, provocantes e cheias de histórias, parecem ter ganhado o status atemporal de clássico fashion. Nas cuissardes, os limites entre o masculino e o feminino acabam, e a linha entre o sexy e o empoderado se misturam. Na moda do século 21, o cano alto deixa de ser apenas tendência para assumir um papel na construção da identidade contemporânea. Essas botas são mesmo feitas para andar.
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