Dos blocos de 1973 a Dapper Dan, Run-DMC, Virgil Abloh e a cena brasileira atual, entenda como a cultura hip hop redesenhou roupa e imagem. Foto: Montagem (Fusari)

O que liga a canção “My Adidas” do Run-DMC, Dapper Dan e Virgil Abloh à LAB Fantasma e a Tasha e Tracie? Se você disse Hip hop, você está no caminho certo. Se ainda há dúvidas, o hip hop é uma cultura com quatro pilares que atuam juntos. O DJ cria e manipula as bases do som, o MC conduz a festa com rimas, o breaking ocupa o chão com a dança e o grafite marca a cidade com imagem. A cena surgiu no Bronx em 1973, nas block parties de DJ Kool Herc e Cindy Campbell, festas de quarteirão abertas ao bairro onde som, corpo e rua se encontram.

A partir daí, a roupa vira linguagem funcional: dá mobilidade a quem dança e presença a quem se apresenta, enquanto oferece sinais de pertencimento a quem circula pela cidade. Esse conjunto organiza códigos visuais reconhecíveis.

Nos anos 1980, esses códigos ganham escala. Agasalhos esportivos, jaquetas bomber e tênis tornam-se uniformes. O Run-DMC cristalizou esse visual ao lançar “My Adidas” em 1986. A faixa celebra o Adidas Superstar e ajuda a abrir um dos primeiros acordos formais entre um grupo de rap e uma grande marca. O que aparece no palco e no clipe passa a orientar vitrines e consumo.

No Harlem, Dapper Dan — do qual já falamos por aqui — entendeu uma demanda que as grifes ignoravam. Ele reconstruiu peças com logotipos de luxo sobre silhuetas urbanas, ajustando proporções e desenhando para um público que não era atendido no varejo de luxo. A boutique funcionava 24 horas e vestia nomes como LL Cool J, Salt-N-Pepa e Mike Tyson. O que começou como bootleg vira referência histórica e, décadas depois, retorna em colaboração oficial com a Gucci e reabertura de ateliê sob medida no bairro. A inversão de rota fica nítida: a rua ensina o luxo.

Pensa que a moda só tomou conta das ruas? A TV também foi sua passarela, em especial o videoclipe. Na virada dos anos 80 para os 90, “Yo! MTV Raps” levou artistas e figurinos a um público global, transformando joias, bonés e tênis em repertório pop. O streetwear deixa o nicho, entra nas coleções e devolve influência para as passarelas.

Nos anos 2000, a vitrine muda de escala com premiações e clipes ao vivo. No VMA, looks de Missy Elliott e Lil’ Kim cravam imagem de performance. Pharrell aproxima rua e arquivo ao lado de Nigo e da Billionaire Boys Club. Kanye atualiza código com a polo de 2004 e depois com a Yeezy. Marcas de artistas como Sean John, Rocawear e G-Unit ocupam varejo, enquanto Air Force 1 e Jordans firmam a cultura sneaker.

Nos anos 2010, o diálogo se institucionaliza. Em 2018, Virgil Abloh assume a direção artística masculina da Louis Vuitton e formaliza, de dentro da maison, a ponte entre cultura e alta-costura. Pharrell e A$AP Rocky operam como tradutores entre arquivo e rua, conectando tênis, alfaiataria e imagem em colaborações que pautam desejo e calendário.

No Brasil, o impacto é estrutural. Racionais MCs oferecem vocabulário e espelho pela soma entre letras, postura de palco e um visual que valoriza a periferia, de bonés e camisetas de time a jaquetas e tênis que viram referência. Emicida transforma a LAB Fantasma em plataforma de moda e narrativa que vai da passarela do SPFW ao varejo, com produto, casting e discurso alinhados a quem vive a cultura. O ciclo fecha quando quem cria veste e quem consome se reconhece.

Hoje, mulheres conduzem novas leituras. Nicki Minaj, Cardi B e Megan Thee Stallion tratam imagem como ferramenta de autonomia e negócio, reeditando alfaiataria, corseteria, sportswear e joias com estratégia de palco e marca. Aqui, Tasha e Tracie articulam música, direção criativa e projetos de moda, incluindo a colaboração com a Rider, mostrando estilo como método e planejamento.

O fio condutor é claro. No hip hop, a roupa comunica antes de explicar. Organiza movimento, sinaliza pertencimento e negocia poder. Do quarteirão ao desfile, do bairro ao e-commerce, os códigos seguem ativos. A cada ciclo, voltam com novas leituras e mantêm o Brasil dentro da conversa, agora com outras vozes no centro.