O ateliê de Lucia Silvestri, diretora criativa da Bulgari – Foto: Federico Lidner para a Harper’s BAZAAR Brasil

Se todos os caminhos levam à Roma, para onde levam os seus caminhos? Depois de um jantar no Pierluigi, quase às margens do rio Tibre, passear pela capital italiana na alta madrugada é tentação cinematográfica. Há um pouco do frisson aventureiro de Audrey Hepburn e Gregory Peck em “Roman Holiday”, de 1953, e muito da tensão sensual de Anita Ekberg e Marcello Mastroianni em “La Dolce Vita”, de 1960. “Felliniana” ou não, a experiência supera qualquer roteiro. Na Via di Monserrato, os olhos vibram com a vitrine da Maison Habaly, galeria e ateliê de Gilbert Halaby, enquanto a tapeçaria artesanal e colorida de Sergio Aguirre, na Via del Pellegrino, é gatilho para a arritmia.

Com mais passos, a Piazza Navona e o Panteão viram tropeços monumentais até o barulho inconfundível da água na Fontana di Trevi. Jogadas as moedas e feitos os pedidos, o curso natural segue para a Piazza di Spagna. Dali ao topo dos 135 degraus, Roma se revela sem pudores em frente à Santíssima Trindade de Monti. Mais ou menos inalterada, era essa a visão do imigrante grego Sotirius Voulgaris em 1884, quando fundou a Bulgari em uma portinha da Via Sistina. Com sucesso, inaugurou mais uma boutique na prestigiada Via dei Condotti, em 1905, e, até hoje (com as portas secretas por onde Elizabeth Taylor e Richard Burton entravam para fazer compras longe dos paparazzi), o endereço abriga a maison. Por décadas, foi lá que a “magia” aconteceu – e a aura segue brilhante –, mas o atual berço de algumas das maiores preciosidades da Alta Joalheria internacional fica um pouco mais escondido, entre as pontes Cavour e Umberto I.

O ateliê de Lucia Silvestri, diretora criativa da Bulgari – Foto: Federico Lidner para a Harper’s BAZAAR Brasil

“Por muitos anos, sentei nessa mesa com Paolo Bulgari, olhando e estudando pedras, criando combinações de cores”, lembra Lucia Silvestri, olhando para a janela. “Hoje, ainda é aqui que encontro minhas maiores inspirações. Esse é o coração da Bulgari.” De paletó listrado, blusa de poás e cascatas de joias, é assim que a diretora criativa de Alta Joalheria da Bulgari me recebe em seu estúdio, cercada de fotografias e croquis e quase protegida por uma muralha de pedras preciosas multicoloridas.

Na maison, é uma figura presente há mais de quatro décadas (herança do pai, que também trabalhou na casa) e largou os estudos de Biologia aos 18 anos para entrar no mundo da joalheria. Desde então, faz do ofício diário uma espécie de revolução, revisitando ícones da marca e liberando a criatividade aparentemente infinita. “Eu me divirto. Já são 45 anos, mas nunca pareceu trabalho”, explica, citando a recente viagem que fez até Hong Kong para comprar gemas, “que mais pareceu férias”. É claro que se leva a sério (e confessa ser uma negociadora ferrenha em uma indústria dominada por homens), mas valoriza seu lado lúdico: canta hits italianos dos anos 1970 e 1980 enquanto trabalha, faz academia e passeia pelo estúdio usando suas próprias criações e, quando está “na mesa”, imagina ser uma pintora brincando com paletas de cores.

Lucia Silvestri, diretora criativa da Bulgari, em entrevista para Guilherme de Beauharnais – Foto: Federico Lidner para a Harper’s BAZAAR Brasil

Dos tempos ao lado do signore Bulgari, Lucia se lembra de examinar pedras com os olhos fechados, as julgando bonitas apenas pelo “corte e energia”. Ainda faz isso – e cada vez mais: quando dorme, sonha com joias, mesmo que nem todas sejam perfeitas. “A beleza também existe na imperfeição”, fala, com tom de rebeldia admitida. “Sou um pouco rebelde, sim. Ousar e inovar, sem me preocupar muito com as regras, é bem mais prazeroso”. Aliás, sequer sonha sozinha. Anos atrás, relutante, acatou à vontade de um dos jovens assistentes para criar um perfil nas redes sociais e, hoje, acumulando mais de 150 mil seguidores, compartilha a magia e o mistério de ser quem é. Pergunto se a presença digital ajuda no business e recebo uma resposta tímida: “Sim… acabei de me tornando o rosto da Bulgari e, muitas vezes, nossos clientes ficam interessados nas peças que apareço usando”. Clientes esses que, entre temporadas, também se tornaram amigos.

Passeando os olhos pelas paredes (“meu hall da fama”, brinca), Lucia me mostra retratos de alguns deles, que a vigiam ao longo ciclos contínuos de dezoito meses, tempo necessário para idealizar e lançar uma nova coleção. A próxima, de 2025, já estava em desenvolvimento mesmo quando “Aeterna” (seu mais novo lançamento de Alta Joalheria) foi apresentada poucos meses atrás. O ritmo criativo é rápido, mas detalhado, como sempre foi. Nos tais murais do estúdio, encontro a imagem de um colar de safiras amarelas e azuis (pedra favorita de Lucia) trazidas do Sri Lanka – o primeiro criado pela joalheira para a Bulgari, ainda em 1988. “Você reconheceu?”, suspira, meio surpresa, meio emocionada. “Ainda sou tão apaixonada por joias quanto eu era naquela época, acredita? Nada mudou. Quando vejo uma gema e a conexão é imediata, digo buongiorno”.

O ateliê de Lucia Silvestri, diretora criativa da Bulgari – Foto: Federico Lidner para a Harper’s BAZAAR Brasil

Seria excêntrico, se não fosse divinamente italiano – e com naturalidade absurda, Lucia estende a mão, pega uma bolsinha e espalha centenas de safiras coloridas sobre a mesa. A sala fica em silêncio e, com a ponta dos dedos, molda as pedrinhas em um colar. “Vê só?”, ri, resumindo, em questão de segundos, o cotidiano de seu trabalho, que também leva para cama. Dorme usando joias? “Com braceletes, sempre. Brincos e colares, às vezes. Anéis, jamais”. Por quê? Segredo de estado, intimidade demais! Mesmo na Alta Joalheria, há cofres mais seguros que outros – e quando os abre, é para buscar uma tiara para usar durante o dia. Enfim, à Lucia, o que é de Lucia. Ave!

*O editor de moda Guilherme de Beauharnais viajou para Roma a convite da Bulgari. Essa matéria foi publicada originalmente na edição de novembro/2024 da Harper’s BAZAAR Brasil, sob o título “Vini, Vidi, Vici”.