
Foto: Hugo Toni, com direção criativa de Gabriela Splendore, styling de Carol Verissimo e beleza de Helder Rodrigues
Por Marcela Palhão, Baárbara Martinez e Izabella Ricciardi
Não adianta fugir: a tecnologia é uma grande influência no mundo da moda. Seja matérias-primas, processos criativos ou em produtos finais, elementos digitais mudaram o universo fashion. Pensando nisso, o projeto ModaTech chega a São Paulo para promover arte, moda, cultura e educação por meio da tecnologia.
Em formato phygital, o evento promoverá palestras e workshops com profissionais renomados que trazem à tona discussões sobre as transformações que a tecnologia promoveu na nossa cultura e moda.
Mas um dos momentos do cronograma do ModaTech se destaca: o desfile tecnológico, em que 12 jovens designers brasileiros apresentam suas criações por meio de realidade aumentada e holografia.
Ao longo do ano, Adeilson Vieira Junior, Ailton Pereira, Ana Clara Watanabe, Gabriela Galavote, Gabrielle Pilotto, Iane Cabral, Marcos Ferreira Gomes, Pedro Korshi, Mateos Quadros, Luan Tanaka, Mauricio Duarte e Teodora Oshima tiveram mentoria de Alexandre Herchcovitch para encarar o desafio. A Bazaar falou com exclusividade com todos os criativos, conheça suas trajetórias abaixo:

Foto: Hugo Toni, com direção criativa de Gabriela Splendore, styling de Carol Verissimo e beleza de Helder Rodrigues
Mateos Quadros
Para o designer, há dificuldades em trabalhar com tecnologia no Brasil, principalmente em relação ao acesso à matéria-prima, maquinário e incentivo digital. No entanto, um evento como o ModaTech mostra que o incentivo é possível. “Isso é uma celebração e afirmação pública da nossa capacidade criativa-tecnológica. De fazermos aqui, em nosso território, algo equivalente ou tão incrível quanto aquilo que acontece na moda gringa”, comemora o designer, que relembra que a Harper’s Bazaar Brasil foi a primeira publicação a reconhecer ele como referência na tendência Y2K.
O seu processo de criação para o desfile se fez a partir do desejo de visualizar o que se passa entre o chão e o ar. Mais especificamente, de uma ideia topográfica e macroscópica de compreender a formação das curvas ou, ainda, daquilo que dentro da geografia é chamado de meandro, da bacia hidrográfica do norte do País. “Por meio da plataforma Google Earth, pude identificar visualmente uma série de formas orgânicas interligadas quase que constantemente, por fluxos oscilantes de matéria e, assim, representá-las digitalmente em duas figuras que, quando encaixadas de diferentes maneiras, numa espécie de quebra-cabeça, infinitamente se encaixam”, conta ele, que usou impressão 3D de fonte semi-reciclada, pele e tecidos em matelassê.
Ana Clara Watanabe
A fundadora da WTNB descobriu seu amor pela moda desde cedo, inspirada pela habilidade manual de sua família. Seu processo de criação evoluiu de experimentos com peças do guarda-roupa de seu pai para uma marca sustentável que une arte e alfaiataria, refletindo seu compromisso com a moda consciente e o upcycling.
A marca Ana Clara Watanabe é uma expressão pessoal de projetos sob medida, um momento especial com cada cliente que a procura para criar para situações mais específicas, como performances artísticas. Sobre o significado de tecnologia e moda para a designer, ela se sente fascinada pela ideia do impacto na forma de criar, seja na melhoria de matéria-prima ou até mesmo no contato com fornecedores graças à internet.
“Nos dias de hoje criar só por criar, só porque é bonito, é algo muito vazio. Optei em seguir com a criação atrelada à sustentabilidade por isso, para criar algo a partir de uma outra peça-material que já existia, mas existem também outras formas de criar com matérias-primas novas e mais responsáveis”, finaliza.

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Gabriela Galavote
A GALAVOTE nasceu do desejo de Gabriela de expressar sua visão única e desafiar as práticas convencionais da moda. ”A estética é cuidadosamente desenvolvida com atenção minuciosa aos detalhes e processos de alfaiataria mesclados com processos tecnológicos que proporcionam uma linguagem contemporânea”, conta sobre sua etiqueta.
Para a designer, exaltar o virtual em detrimento do físico, e vice-versa, é um erro que precisa deixar de ser cometido para a designer. Gabriela acredita que as realidades estão em constante fusão e que o futuro da moda aparece justamente nesta linha tênue entre real e virtual.
“Unir diversas formas de experimentação podem e devem abrir caminhos que não são alcançados através da construção tradicional do vestuário. Mesclo softwares e maneiras de aplicar essas tecnologias em minha pesquisa. Desenvolvi meu próprio método de processamento de modelagens para transformar esses recursos visuais em peças que transmitam o conceito. Em projetos recentes, experimentei tecnologias como o scanner 3D”, conta.
Luan Tanaka
Ao exibir seu trabalho na ModaTech, Luan Tanaka, da Maison Akikô, decidiu migrar para outros materiais, como resíduos e métodos de reciclagem. O designer fez alguns estudos a respeito de reciclagem de novos materiais, que segundo ele, por serem novos, ainda não recebem a devida atenção. “A ideia é questionar o quão acessível é a sustentabilidade que temos hoje, e proporcionar não só uma experiência visual, mas também instigar o questionamento e reflexão”, divide o artista, que nesta busca chegou ao resíduo descartado pelas impressoras 3D e os plásticos PLA e ABS, que são derretidos através de uma prensa térmica e remodelado em placas.
O estilista comenta que a moda costuma descartar muitos materiais. “Normalmente focamos somente em novas ferramentas, por melhor que seja, é também ignorar uma mentalidade desenfreada de produção de matérias primas e esquecer todo ‘depósito’ de materiais abandonados no nosso planeta. Por isso, optei por uma ideia que tenta ‘queimar’ todo esses materiais descartados e revitalizá-los”, comenta ele, que espera contribuir para um mundo melhor, mais sustentável e mais acessível.

Foto: Hugo Toni, com direção criativa de Gabriela Splendore, styling de Carol Verissimo e beleza de Helder Rodrigues
Pedro Korshi
O fundador da Korshi 01 comemora a inserção de sua marca na primeira temporada do projeto. De acordo com ele, ao lado de designers e criativos tão especiais. Para a Bazaar, o designer dá o spoiler do que está por vir na passarela da ModaTech. “Os dois looks apresentados são extensões da ‘Praia de Koncreto’, coleção apresentada no SPFW, porém mais performático, mais exagerado, por não se tratar de um design necessariamente comercial”, revela.
O profissional comenta que tem experimentado usar AI no processo de criação das peças e que isso irá refletir visivelmente em sua vestimenta. “O maior diferencial da Korshi 01 é todo o universo multifuncional, ou seja, toda e qualquer peça de roupa que criamos tem mais de uma função dentro do seu guarda-roupa.”
Ailton Pereira
“O processo de criação para o desfile envolveu a integração de elementos científicos com a inserção de resíduos alimentícios, como a casca da laranja que se transformou em um biomaterial biodegradável após a secagem”, conta Ailton, criador da AIPER e mestre em biotecnologia.
O ModaTech surge como uma oportunidade de se adaptar às demandas tecnológicas em constante evolução, se mantendo relevante e explorando novas formas de expressão da moda. Ao mesmo tempo, Ailton acredita que a tecnologia pode ser desafiadora a partir do momento em que cria uma barreira entre o designer e a criatividade genuína.
“O futuro da moda brasileira está intrinsecamente ligado à biotecnologia e à sustentabilidade. A biotecnologia oferece oportunidades para produção mais eficiente e aplicação mais ampla. Ao mesmo tempo, a conscientização ambiental está moldando as escolhas dos consumidores, o que nos incentiva a buscar métodos de produção mais sustentáveis”, finaliza.

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Adeilson Vieira Junior
Vieira enxerga a tecnologia como uma ferramenta para explorar novas possibilidades de criação, combinando métodos tradicionais e artesanais para moldar sua estética provocativa do ser. Este último código questiona o que é belo, mistura arte e moda, e, na maioria das vezes, causa estranhamento ou desconforto.
“A tecnologia aparece no início do meu processo, quando começo a rascunhar em ferramentas e programas tecnológicos, me permitindo investigar o novo. Além de tecnologias artesanais que permitem a experimentação têxtil”, fala sobre sua relação com o tema do Moda Tech.
Seus objetivos futuros incluem expandir sua marca e explorar novas oportunidades na indústria da moda, principalmente se dedicar para fixar a label no plano “real”, amadurecendo a ideia de um e-commerce, a presença em uma multimarcas e a participação em em semanas de moda nacionais como SPFW, Casa De Criadores, BRIFW e o próprio ModaTech.
Marcos Ferreira Gomes
Marcos, designer da Desalinho, se orgulha em participar de um evento tão significativo para a moda nacional. “Sinto que é a oportunidade de apresentar o potencial criativo que temos no Maranhão em toda nossa diversidade cultural”, disse. Para o profissional, sua intenção na passarela é mostrar que as técnicas manuais também são tecnologias. “Isso traz consigo um conceito sustentável de forma a perpetuar e trazer tanto as técnicas quanto o material como uma contravenção a ideologia do próprio sistema”, revela em entrevista à Bazaar.
Com esta ideia, ele busca referências no crochê, tecelagem de cestarias, bordado e marcenaria. “Tudo isso em uma tentativa de criar novas narrativas com materiais que não são comuns ao nosso dia a dia. A multiplicidade de técnicas usadas trás de forma contemporânea o que quero que seja perpetuado e difundido como a ideologia da Desalinho”, comenta.

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Gabrielle Pilotto
Para a criadora da Ventana, que fez sua estreia na semana de moda de Nova York neste ano, o primeiro passo do seu processo criativo para o ModaTech foi pesquisar mais sobre o projeto – o que resultou em uma resposta positiva sobre sua participação.
“Com a tecnologia, você consegue visualizar e testar criações mais rápido e de forma assertiva, além de conseguir diminuir impactos e facilitar processos. Mas também penso muito na questão do trabalho manual fica em desvantagem. Por ser um trabalho mais minucioso e que leva mais tempo para ser produzido, acaba ficando impossível competir em preço e velocidade”, pesa os benefícios e desafios da era digital.
Sobre o desfile, Gabrielle adianta que os dois visuais desfilados analisam o momento em que decidimos jogar algo fora, instigando um pensamento de como salvar aquilo. “Em um dos looks, costuramos pedacinhos por pedacinhos dos canutilhos. É uma peça que se alguém não olhasse com carinho, estaria no lixo. Buscamos inspiração na moda afetiva e no trabalho de artesãs, um fazer que é antigo, sem gasto de energia e o menos poluente possível”, detalha.
Iane Cabral
À frente da Plasma, Iane trabalha com materiais regenerativos, criados a partir da biofabricação por bactérias e o cultivo de substâncias orgânicas, indo na contramão de práticas predatórias e extrativistas. “Acredito que a tecnologia tem mais benefícios do que malefícios a partir do momento que é utilizada de forma ética”, explica.
Para o ModaTech, Iane conta que a inspiração vem de uma tentativa de reimaginar futuros regenerativos e novas formas de design por meio da biofabricação. “O vestido e o top foram confeccionados utilizando técnicas de drapeado aplicadas nos biotecidos ainda hidratados. Ao todo, foram utilizadas 40 folhas de celulose bacteriana translúcida aplicadas manualmente e posteriormente secadas de acordo com a modelagem”, adianta.
Além disso, Iane conta que também usaram uma técnica chamada ê-têxtil (têxtil eletrônico), que conta com uma interação luminosa de nove leds costuráveis com acionamento embutidos no drapeado do vestido. “É essencial que nos coloquemos como parte da solução para que consigamos nos mobilizar como comunidade global para reimaginar essa moda que está em crise para uma moda mais regenerativa”, finaliza.

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Mauricio Duarte
Mauricio Duarte, designer e indígena do povo Kaixana, tem sua jornada marcada pela luta para preservar suas raízes culturais, refletidas não só em suas criações, mas também em seu compromisso em empoderar comunidades indígenas através de parcerias sustentáveis.
Ao trazer à tona o legado esquecido dos povos nativos da região amazônica, Duarte anseia abrir portas para jovens de origens semelhantes a sua, evitando que sejam forçados a deixar suas casas em busca de oportunidades.
Teodora Oshima
Nascida em Campinas, Teodora Oshima já havia experiência como estilista de diversas marcas – incluindo Helô Rocha – quando decidiu criar sua marca homônima em 2020. A incertezas da pandemia a impulsionaram a tirar do papel um desejo de anos, por isso, a label própria surgiu como uma resposta a insegurança financeira do lockdown que, ao mesmo tempo, a possibilitou impulsionar sua criatividade em um momento de isolamento. Anos depois, Teodora acumula experiências incríveis, incluindo assinar o figurino do show de Liniker e, agora, participar do ModaTech.