Foto: Divulgação

Por Camila Salek

A marca Abercrombie & Fitch é tema do novo documentário da Netflix, lançado na última semana, que reflete a ascensão e a queda dos grandes nomes da moda dos anos 2000. Se você ainda não assistiu a este documentário, já adianto aqui o alerta de spoiler, mas talvez ler a coluna te deixe ainda mais intrigado para correr para frente da tela – e o exercício é válido.

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Acredito que quem atua no segmento da moda já tenha ouvido falar na expressão Y2K, que se refere ao retorno dos anos 2000 aos holofotes. A década mais polêmica da moda vem ganhando cada vez mais força com o renascimento de marcas icônicas impulsionadas por collabs e trends sociais, como a própria “#Y2K” dos tiktokers.

Por que trago isso? Apesar de ter sido fundada há mais de cem anos, a marca Abercrombie & Fitch, retratada no documentário, virou febre nos anos 2000 após passar por rebranding baseado em um storytelling de segregação focado na comunidade teen. Muitas marcas de moda da época usavam a mesma forma excludente de se comunicar e isso era quase como um ímã de consumidores. O sonho de pertencer a um grupo seleto e restrito era o grande desejo dos adolescentes.

No início dos anos 2000, onde as redes sociais eram praticamente inexistentes, as revistas e a MTV pregavam as referências do que era ser cool e os shoppings eram o principal ponto de encontro dos adolescentes que consumiam estes canais. Trabalhar no varejo e, em específico, numa marca que estava bombando, era onde todos queriam estar. Foi assim aqui no Brasil também.

Neste contexto, atrair jovens representantes para grandes marcas não era um grande desafio. No caso da A&F (como a Abercrombie & Fitch é chamada), o recrutamento era feito nos próprios shoppings, considerando cargas horárias reduzidas, justamente para atrair estudantes. Aliás, os garotos mais populares das fraternidades americanas estavam na loja e no catálogo da marca e foram os primeiros influencers pré-era das redes sociais. Ir na A&F nos anos 2000 era como se sentir dentro de uma campanha de moda. Comprar na A&F era sobre pertencer àquele mundo e compartilhar dos mesmos pensamentos que construíam o universo aspiracional da marca.

Dentro do setor varejista, a loja popular entre adolescentes, que “vendia como água”, era tida como um exemplo a ser copiado em todo mundo. Aliás, no Brasil temos até hoje marcas que são cópias exatas do modelo de operação da Abercrombie & Fitch. O aroma do icônico perfume, a iluminação baixa, o merchandising impecável, a música alta, as imagens sexy do polêmico Bruce Weber, todo um conceito visual copiado exaustivamente mundo afora. Tudo parecia estar perfeito, só que não.

Com o tempo e o crescimento do poder das redes sociais entre os jovens, a marca teve seu nome ligado a muitas controvérsias, práticas discriminatórias de contratação, campanhas excessivamente sexualizadas e alegações de má conduta social. Isso só para destacar algumas das muitas polêmicas. Os escândalos aceleraram a queda da marca que, centrada apenas nela mesma e nos seus resultados comerciais, foi se desconectando cada vez mais da comunidade que havia catapultado seu sucesso.

Apenas quando as ações da marca caíram sucessivamente trimestre após trimestre, foi que a marca começou a repensar sua postura. Em 2016, a Abercrombie & Fitch chegou a ser a varejista mais odiada dos EUA e as vendas de suas lojas estavam em queda por 11 trimestres consecutivos. Em 2017, as ações da marca caíram para o patamar dos US$ 10, sendo o menor valor em 20 anos. Coincidência ou não, o grupo L Brands, que repaginou a A&F, também é proprietário da Victoria’s Secret, marca que vem sofrendo nos últimos anos com sua imagem e, consequentemente, com resultados também.

Os jovens consumidores que compraram o marketing da Abercrombie para fazer parte dos “cool kids” não se encaixavam mais no público-alvo da marca e a nova geração não estava mais a fim de querer se encaixar para pertencer.  Importante notar que pivotar rotas não é tarefa fácil, principalmente quando não existe uma cultura corporativa que esteja disposta a lidar com suas próprias falhas.

A A&F pecou ao negligenciar todos os sinais que claramente apontavam para uma revisão de propósito e posicionamento.

A cultura da exclusão, que havia sido a chave do sucesso até aquele momento, tinha deixado de ser algo legal. E quem diz sobre mudanças culturais é a comunidade, não um CEO.

Como já falei algumas vezes, o varejo é mais do que a relação transacional. A venda comercial, é o resultado de um processo que vai muito além da entrega de uma mercadoria. Estamos olhando para marcas que representam uma comunidade e que precisam abrir espaço para que o tom de voz da mesma seja reverberado.

Recentemente, em talks pós-NRF 2022 que tracei com diversas marcas, falei do retorno de várias marcas que foram sucesso nos Y2K, inclusive destaquei o belo trabalho da Juicy Couture. Quem se lembra do início dos anos 2000, onde todos queriam um agasalho de veludo e strass para chamar de seu? Era o verdadeiro uniforme das “it-girls” mais famosas da América. Hoje, a marca é um excelente exemplo de pivotagem e ressurge com força, compondo collabs com marcas incríveis e megadesejadas na atualidade, como a chinesa STAFFONLY.

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Acredito no retorno da Abercrombie & Fitch e tenho acompanhado de perto o trabalho sério que está sendo desenvolvido para isso. Aliás, a imagem abaixo foi tirada do site da marca e representa todo esse processo de transformação.

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Outros varejistas estão enfrentando desafios semelhantes aos da A&F, deixando muitos desesperados para reinventar suas marcas cansadas. J.Crew, Banana Republic, Express, Victoria’s Secret, Asos, Topshop são alguns dos exemplos de marcas que vêm atuando fortemente em rebranding na tentativa de renovar e combater anos de declínio nas vendas. O trabalho contínuo da Abercrombie fornece evidências de que isso pode ser feito. Para vocês terem ideia, hoje as ações já voltaram a crescer e estão em torno de US$ 35.

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O fato é que para se manterem relevantes, as marcas que fizeram sucesso nos anos 2000 precisam passar pelo mesmo movimento do varejo que tenho repetido nos últimos anos e que se faz o norte estratégico da Vimer este ano: renascimento! Marcas precisam estar abertas a levar para a mesa de discussão e tomada de decisão pessoas da comunidade que queiram fazer a verdadeira transformação acontecer. Renascer não é simples, mas posso garantir, é muito mais fácil do que ressuscitar. 

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@camilasalek – Sócia-fundadora da Vimer Experience Merchandising integrante do grupo de empreendedoras de sucesso do programa “Winning Women Brasil” da Ernst Young e colunista da Harper’s Bazaar Brasil. Referência em varejo e visual merchandising, está por trás de evoluções significativas da experiência de consumo e do desenvolvimento do conhecimento da área, através da implementação de projetos inovadores e compartilhamento de conteúdos ministrados em aulas, palestras, treinamentos e publicações nacionais e internacionais voltadas para moda e tendência.