
Simone Biles – Foto: Getty Images
Recentemente, em uma conversa com amigos, discutimos sobre os ansiolíticos que estamos tomando. Não se surpreenda (e nem julgue); esse é um tema cada vez mais comum entre Millennials e a Geração Z. Quando usados com responsabilidade, sob supervisão médica e combinados com uma boa dose de terapia, esse combo pode ser um importante e vital aliado. Aliás, é interessante perceber que, de alguma forma, as pessoas estão cuidando de si e buscando equilíbrio em um mundo cada vez mais desafiador.
Em clima olímpico, a história da ginasta americana Simone Biles ganhou notoriedade mundial na Olimpíada de Tóquio-2020, quando ela abdicou de competir em quatro finais nas quais era favorita para priorizar sua saúde mental. Esse momento foi retratado na série “O Retorno de Simone Biles”, que conta sua jornada, a pausa nas Olimpíadas e seu impacto no esporte. O documentário destaca a pressão enfrentada e a mudança de paradigmas no esporte.
A saúde mental tem, felizmente, ganhado mais destaque na sociedade atual, refletindo uma crescente conscientização sobre sua importância para o bem-estar geral. É fundamental que esse tema seja levado a sério. Afinal, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 10% da população mundial sofre com transtornos mentais, algo em torno de 720 milhões de pessoas.
Os números são alarmantes! De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, o Brasil é o país com a maior prevalência de depressão na América Latina e, no continente, só perde para os Estados Unidos. A OMS informou que, em seis anos, a depressão deve se tornar a doença mais comum do mundo, afetando mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde, incluindo câncer e doenças cardíacas. Será também a doença que mais gerará custos econômicos e sociais para os governos, devido às perdas de produção e aos gastos com tratamento.
Para aprofundar essa discussão, convidamos o psiquiatra Dr. Marco Túlio Ferreira Neves de Almeida (CRM: 9758 – RQE-RN 4861). O profissional compartilha suas perspectivas, ressaltando aspectos do cuidado mental e como é importante a combinação de terapias, métodos naturais e atividade física. Leia a entrevista na íntegra:
Harper’s Bazaar Brasil – Qual é o momento certo para buscar a ajuda de um profissional de saúde mental?
Dr. Marco Túlio Ferreira Neves de Almeida – Não existe um ponto exato ou único para procurar ajuda com um profissional, mas, diferente do que muitos pensam, não devemos procurar apenas quando estivermos em nossos ‘limites psicológicos’. Devemos buscar ajuda assim que os desconfortos apareçam, quando notarmos que algo está errado. Podemos citar algumas situações, mas são inúmeras: ao passar por momentos estressantes que estão demorando para se resolver, sentir-se mais cansado do que o normal, não ter um sono reparador, sentir-se mais angustiado ou triste que o habitual por um período prolongado, apresentar sintomas físicos como palpitações, tremores e sensação de aperto no peito. Para qualquer doença ou desconforto que apresentamos, seja físico ou psicológico, procurar ajuda o mais precocemente possível aumenta a chance de controlar os sintomas mais rapidamente, reduz o tempo de acompanhamento e o uso de medicações, quando indicadas.Quanto mais tempo demoramos para procurar ajuda, mais a sintomatologia se agrava e mais difícil se torna o tratamento.
Qual a importância de combinar a terapia psicológica com o tratamento psiquiátrico?
A importância e necessidade são indiscutíveis. Todos os estudos apontam que, quando o uso de medicamentos é necessário, associá-los à psicoterapia faz com que os sintomas desapareçam mais rapidamente, reduz o tempo de necessidade de uso de medicação e permite o uso de doses menores.
Existem métodos naturais ou alternativos que podem ajudar na manutenção da saúde mental? Se sim, quais são os mais eficazes?
Sim, e é necessário que eles sejam feitos. Os dois métodos com maior evidência científica são a psicoterapia e a atividade física. Além disso, outras atividades podem ajudar a aliviar o estresse cotidiano, como yoga, meditação, acupuntura, cromoterapia, dança, atividades em grupo, alimentação balanceada e a dosagem adequada entre trabalho e descanso.
Como a atividade física contribui para a saúde mental e quais tipos de exercícios são mais recomendados?
De forma simples, a atividade física aumenta os níveis de neurotransmissores e hormônios no sangue, como endorfina, serotonina e dopamina, que geram sensação de bem-estar e prazer no cérebro. Essas substâncias são alvo de alguns antidepressivos e ansiolíticos. Atividades aeróbicas e musculação são bastante mencionadas, mas a melhor atividade física é aquela que a pessoa faz regularmente.
Muitas pessoas ainda têm medo ou preconceito em relação ao uso de medicamentos psiquiátricos. Como você aborda essas preocupações com seus pacientes?
Apesar dos avanços nos tratamentos e do aumento na discussão sobre transtornos mentais, o receio, medo e preconceito ainda são frequentes. Isso pode ser influenciado pela mídia, que muitas vezes traz imagens estereotipadas dos transtornos psiquiátricos, ou por uma visão histórica de tratamentos arcaicos. Para combater o preconceito, as principais armas são informação, conhecimento e esclarecimento. Por isso, sempre explico os efeitos das medicações, os possíveis efeitos colaterais, tiro dúvidas, sou aberto a perguntas e tento adequar a medicação à rotina e características de cada paciente. Outra coisa que ajuda bastante é ter confiança no profissional, uma boa relação, afinidade e abertura para falar sobre os medos e receios em relação às medicações.
Como os avanços recentes na psiquiatria têm melhorado o tratamento de transtornos mentais?
Os avanços na terapia medicamentosa evoluíram consideravelmente nos últimos anos. A visão de que os medicamentos aumentam o peso, deixam sonolento e apático tornou-se obsoleta. Atualmente, há uma grande variedade de medicamentos no mercado com poucos efeitos colaterais. Em alguns casos, usamos os efeitos colaterais a favor do paciente, como escolher um antidepressivo que aumenta o sono para um paciente com depressão associada à insônia.
Existem diferenças significativas nos tratamentos psiquiátricos para homens e mulheres?
Não há diferenças significativas nos tratamentos. As mesmas orientações servem para ambos os sexos. O que muitas vezes muda são as escolhas das medicações de acordo com o perfil, características, apresentação, intensidade e sintomatologia de cada paciente.
Os homens ainda são mais relutantes em buscar ajuda psiquiátrica para transtornos de saúde mental?
Sem dúvida, os homens são mais relutantes em buscar ajuda, não apenas para doenças mentais, mas para qualquer especialidade médica. Na área da saúde mental, essa relutância é maior, pois falar sobre sentimentos e situações dolorosas é necessário, e os homens têm mais dificuldade em expressar esses desconfortos. Historicamente, há uma visão deturpada de que falar sobre sentimentos é sinal de fraqueza.
Existem transtornos mentais que afetam mais homens do que mulheres, ou vice-versa? Quais são eles?
De forma geral, os transtornos mentais mais comuns, como depressão e transtorno de ansiedade generalizada, são mais frequentes em mulheres. Contudo, é importante considerar que essas patologias podem parecer mais frequentes em mulheres porque elas procuram mais ajuda do que os homens. Os números só entram para a estatística quando os pacientes são diagnosticados. Portanto, se um homem tem a patologia mas não procura ajuda, ele não será diagnosticado e não entrará para a estatística.