Ilustração de Arthur Marques, com foto de Kevin Oux

Reserve um tempinho para ouvir “Deusa Dulov (Vol.1)”. E mergulhe com calma no novo universo sonoro lúdico de Larissa Luz, repleto de afetividades, em um tom fora do comum até para a própria. A leveza e a ironia são as regências secundárias do álbum, que fala de múltiplos amores e prazeres femininos. O tom debochado impresso nas letras se complementa com o mix de ritmos musicais que passeiam pelas faixas – e são o toque final de mestre de Larissa. Do pagodão baiano, de sua terra natal, ao dancehall e ao dub, estilos musicais jamaicanos, dar play neste trabalho é como embarcar em uma viagem repleta de amor, de um continente a outro, sem sair de casa, e tendo na bagagem, apenas, um fone de ouvido e uma assinatura de streaming.

O mais recente trabalho da artista, recém-anunciada como nova integrante do programa “Saia Justa”, do canal GNT, chegou em todas as plataformas digitais no final de janeiro – foi produzido ao lado do Tropkillaz e escrito a várias mãos por Larissa e pelos amigos Coruja BC1 e Zamba. “É um caminho produtivo olhar com humor para os deslizes e tropeços na empreitada de amar e ser amada. É um jeito necessário e que faz nosso trilhar mais tranquilo e ameno em algo que, por vezes, cria-se um grande peso.”

A mistura de ritmos diaspóricos com batidas mainstream são, para ela, a essência de sua pegada. “Minha onda é experimentar e fazer uma alquimia entre ritmos negros ao redor do mundo, com diferentes junções, e ir vendo o que sai destes encontros. Tudo isso faz parte do meu universo.” O segundo volume do trabalho vem ainda neste primeiro semestre. “É como temporadas. Em breve, sai a próxima.”

Nascida na Bahia na década de 1980, Larissa é filha de uma professora de português e cresceu entre livros de música. Aos 10 anos, começou a cursar canto e teclado e descobriu seu talento. Cantou em bares da capital soteropolitana e fez parte de várias bandas até chegar ao Ara Ketu, por onde ficou entre 2007 e 2012.

Daí em diante, seguiu carreira solo com trabalhos musicais de alta preciosidade e relevância. Seu álbum de 2019, “Trovão”, foi eleito um dos melhores daquele ano pré-pandêmico pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Aliás, arte para ela, na pandemia, foi o principal combustível para se manter bem e sã. “Foi e é minha ferramenta de sobrevivência. Ela é a minha companheira para sempre. Me permiti mergulhar fundo para poder passar por tudo que a gente estava passando e sair ilesa.”

Ainda na pauta dos amores, Larissa teve a honra e o prazer de interpretar Elza Soares nos palcos. O musical “Elza” rodou dezenas de cidades brasileiras em 2018 e levou mais de 120 mil pessoas aos teatros para conhecer a vida, os dramas, os traumas e as líricas da cantora, que nos deixou em janeiro, aos 91 anos. “Elza estava completamente dentro de mim, fisicamente falando mesmo, porque nos misturamos. Não se sabia quem era eu e quem era ela. Fomos criando uma conexão muito profunda, de muito tempo, até que chegou o dia em que ela mesma sugeriu que eu a interpretasse no teatro.”

As duas se conheceram quando Larissa convidou Elza para dividir uma faixa com ela no álbum “Território Conquistado” (2016), indicado ao Grammy Latino daquele ano. Dali em diante, não se desgrudaram: “Fomos criando uma conexão muito profunda, de muito tempo, até que fui escalada como uma das intérpretes. Me joguei, fiquei um tempo imersa entendendo as nuances”. Larissa conta que sofreu demais a perda da amiga e referência de vida e de trabalho. “Achava que nunca diria adeus. Era meu amuleto de sorte.”

Não é à toa que, com toda essa bagagem, o tema da afetividade preta como potência transformadora permeie seu novo trabalho. É sobre revelar que corpos pretos são passíveis de amor e de afeto. A cantora também faz questão de deixar claro que busca espalhar o amor por aí. É de deusa para deusa que ela fala. De uma mulher preta para outra. Para Elzas e Larissas. “Somos nossos maiores crushes. Temos de reconhecer a beleza que habita nossos corpos e traços. Que nos olhemos no espelho e possamos dizer que somos as maiores deusas.” Axé!